quinta-feira, 15 de janeiro de 2009

Tertúlia Virtual - FOGO

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"Quando eu nasci, tocava a fogo
Na minha freguesia,
E um meu vizinho, que perdera ao jogo,
Golpeava as veias, quando eu nascia."


Não sei se realmente terá havido esta simultaneidade de acontecimentos; ou se ela terá sido apenas, a posteriori, um requinte de encenação... O certo é que o poeta que assim viria a aludir às circunstâncias do seu nascimento - Eugénio de Castro - nasceu exactamente há cem anos, em Coimbra, no dia 4 de Março de 1869. E os quatro versos acima citados pertencem ao poema inicial do livro Interlúdio, publicado em 1894. Cinquenta anos depois, outro poeta - Sebastião da Gama - aproveitaria, deliberadamente, no seu livro de estreia, aqueles versos de Eugénio de Castro, mas para dizer precisamente o contrário:


"Quando eu nasci,
ficou tudo como estava.
Nem homens cortaram veias,
nem o Sol escureceu,
nem houve Estrelas a mais...
Somente,
esquecida das dores,
a minha Mãe sorriu e agradeceu."


O importante em qualquer dos casos, não é a verdade dos factos. Pode aliás um erudito vir a descobrir (ou pode mesmo já ter descoberto) que não se declarou fogo em nenhuma freguesia de Coimbra no dia 4 de Março de 1869, nem houve sinal de nenhum suicídio nas imediações da casa do futuro poeta; e, em contrapartida, que tenha alguém cortado as veias em Vila Nogueira de Azeitão, ou que o Sol aí tenha escurecido, no dia 10 de Abril de 1924... O importante é que certos poetas tenderão sempre a sublinhar (ou a inventar) circunstâncias de excepção em torno de si-próprios, enquanto outros hão-de fatalmente preferir que tudo à sua roda se mostre natural.. Trata-se, em suma, de duas famílias diametralmente opostas, que podem aliás coexistir nas mesmas épocas, mas que são por vezes favorecidas - ou prejudicadas - pelo estilo das épocas em que vivem.

David Mourão-Ferreira
in Sobre Viventes


Isabel Magalhães

OS ELEMENTOS - FOGO; 1998; 100 x 60 cm; acrílico sobre tela

Tertulia Virtual

19 comentários:

  1. Adoro.

    Maria da Graça Torres

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  2. O fogo queima e a água também pode queimar. Aliás o ar também e a própria terra às vezes como que se incendeia. Afinal tudo é igual... ou talvez não!

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  3. Isabel,

    O texto e a tela são muito bonito, mas gosto mais da tela. O fogo nem sempre estraga/consome.`Muitas vezes aquece, ilumina e aconchega.
    Clotilde

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  4. Isabel,

    falou bem do FOGO através do poema, da história e das imagens!
    Obrigado por participar da Tertulia!

    Bjs

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  5. Texto muito interessante.

    Imagem belíssima.


    Um abraço.

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  6. Excelente ligação entre a selecção das imagens e dos poemas...

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  7. Todos os elementos podem queimar. Vai-se lá saber o que passa na cabeca dos poetas? É fogo, viu.

    Abracos

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  8. O fogo queima, arde....

    mas também pode ser visto como um sinal de esperança

    de renascimento

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  9. Não leitor de poesia me confesso mas admito gostar das histórias dentro da história. Esta sua tela é poderosa e de grande impacto.

    Parabéns pela escolha.

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  10. O fogo purifica.

    A tela é sua?

    É muito bonita

    Parabéns pea sua participação

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  11. É isso Francisco.
    Do fogo pode renascer a Phénix, em toda a sua pujança e beleza.

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  12. Muy bonito el cuadro. Retrata bien el fuego que cada día enciende el cielo cuando el astro rey se va a dormir :)

    Saludos.

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  13. Parabéns Isabel, pelo texto e , em particular, pela pintura.

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  14. Um post muito bom.
    Tem um equilíbrio entre o texto e as imagens muito eficaz.
    Parabéns.

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  15. Faço minhas as palavras dos comentadores anteriores . Gosto muito .

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  16. Linda tela! Bom texto! Excelente participação nas Tertúlias!

    Abraços!

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  17. Isabel, uma reverenciável obra de arte sua pintura. Parabéns!

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  18. Já disse ao Eduardo que uma das grandes virtudes do Tertúlia é a de nos dar oportunidade de conhecer novos blogs tão interessantes quanto este.
    Abraços.

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  19. Caros Bloggers;

    Um agradecimento especial a todos e a cada um, pela visita e pelas palavras aqui deixadas.

    Que esta Tertúla continue a ser o ponto de encontro de muitas partilhas e de troca de opiniões.

    Um abraço e se não for antes até 15 de Fevereiro.

    Isabel Magalhães

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