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quarta-feira, 6 de janeiro de 2010

Tudo é relativo

Opinião






JN 00h00m


Mais de 90 mil cidadãos assinaram uma petição pedindo um referendo sobre o casamento gay. O número parece grandioso. Para apresentar uma candidatura a presidente da República, a lei só exige 15 mil assinaturas, pelo que, vistas as coisas assim, um número tão grande quase deveria obrigar a convocar de imediato o dito referendo. Mas tudo é relativo. 90 mil cidadãos representam, afinal, menos de 1 por cento do total da população portuguesa. Três partidos apresentaram-se a eleições defendendo os casamentos gay e obtiveram, em conjunto, mais de metade dos votos dos portugueses. Vistas as coisas assim, 90 mil já não é um número tão grande.

Esta petição pode bem ser um exemplo sobre o que é a vida política portuguesa, e as ratoeiras que se vão armando. Quantos desses 90 mil cidadãos que pediram o referendo saberiam que a sua assinatura não impunha nada a não ser que a discussão do assunto fosse feita no Parlamento? Não seria tudo muito mais transparente se, para determinados assuntos, não imediatamente políticos, um número determinado de cidadãos pudesse impor uma consulta popular? O que se passa é que os subscritores da petição dizem agora, erradamente, que PS, PCP e BE não respeitam a democracia porque não convocam o dito referendo. E assim se vai perdendo tempo e aquecendo o debate com um tema que poderia e deveria ser referendado, mas que já se sabia que não o seria, pelo que nem vale a pena suscitar a questão a não ser que os objectivos sejam não o debater o assunto em si mas o de cavar uma cisão Esquerda-Direita.

O próprio instituto do referendo é, aliás, um engano. Ao estabelecer que os referendos só são válidos se mais de metade da população eleitora se pronunciar, os legisladores mataram à nascença qualquer possibilidade de êxito da iniciativa. E para quem não se recordar do passado e não estiver certo disso, espere-se (com boa vontade) por 2011 e veja-se o que sucederá com a regionalização.

(...)

quarta-feira, 8 de julho de 2009

Paredes de vidro

Opinião







01h17m

Ana Gomes e Elisa Ferreira estão claramente na berlinda, desde que o PS decidiu que os seus candidatos a deputados não podem ser candidatos a autarquias. A menos que José Sócrates queira defender que o caso das Europeias é diferente - e que aquelas duas deputadas têm um currículo e uma experiência que o partido não pode dispensar caso o eleitorado de Sintra e do Porto não as escolha - não resta grande alternativa a uma e a outra. E a escolha, a ser feita, já só pode ser pela candidatura autárquica, rejeitando a conseguida eleição para o Parlamento Europeu. Só optando pela solução mais difícil e menos cómoda calarão as vozes críticas e repararão o erro que foi aparecerem como candidatas em duas situações distintas. Uma e outra não precisam da política. Uma outra continuarão a ser úteis ao país, independentemente de serem ou não eleitas para Sintra ou para o Porto.

Mas não se olhe para as duas como os únicos casos. Aqui mesmo ao lado, o PCP, sempre tão firme na defesa dos valores democráticos, também deveria repensar a situação de Ilda Figueiredo, candidata em Gaia e já eleita para a Europa. Estará ela na disposição de desistir do Parlamento Europeu e ir para o terreno disputar a Câmara com Menezes? E as listas de deputados comunistas terão candidatos a autarquias como normalmente acontece?

De repente, passou pelos partidos uma onda de transparência. Ainda agora, no Porto, o PSD avisa as suas estruturas centrais de que não aceitará deputados "pára-quedistas". Eles sabem do que falam: nas últimas eleições, um cidadão de Lisboa e um alentejano que mal conhecia o distrito do Porto aqui assentaram arraiais nas listas sociais-democratas. A exigência só pode ser atendida, pois Manuela Ferreira Leite foi a primeira a introduzir algumas regras nesta matéria. Mas é preciso que não haja contradições. Marques Mendes também foi elogiado quando rejeitou autarcas como Valentim Loureiro ou Isaltino Morais, mas também foi ele mesmo a abrir portas aos tais deputados "pára-quedistas". É por isso que, nomeadamente no PSD, deve ser clarificada também a posição de Paulo Rangel: eleito para o Parlamento Europeu, será que pretende manter-se ali se o partido ganhar as Legislativas, formar Governo e lhe for oferecida uma pasta? Em nome da transparência, não deve aceitar, do mesmo modo que Rui Rio já garantiu que ficará no Porto mesmo que o partido forme Governo. Mas, curiosamente, o mesmo Rio também já disse o que fará no caso - hipótese remota segundo as sondagens - de não ser eleito presidente: não ficará como vereador.

A transparência deve aliás ser exigida a todos os outros partidos. No Bloco, perspectiva-se a candidatura de Fazenda como deputado e à Câmara de Lisboa e a de João Semedo em Gaia. Quererá o BE recuar ou explicar porque concorda com as duplas candidaturas?

Seria bom que os políticos assumissem esta transparência como isso mesmo: um acto cívico em nome do reforço da democracia e não como uma habilidade conjuntural, uma táctica de momento. Todos os partidos - todos - têm as suas zonas opacas, embora julguem ser os únicos a ostentar paredes de vidro. O ideal mesmo seria que traduzissem para letra de lei a impossibilidade de alguém, ocupando um cargo, ser eleito para outro ou trocar de cargo por nomeação directa.

segunda-feira, 29 de junho de 2009

Os trambolhões do Governo

Opinião






Ontem
As eleições europeias foram a 7 de Junho. Três semanas seria tempo mais do que suficiente para o Governo perceber o que se passou e ter partido à conquista (sobretudo) do eleitorado que se absteve, ao mesmo tempo que deveria ter procurado minimizar os danos junto dos eleitores que foram às urnas castigar o PS, votar noutro partido.

Os eleitores que não votaram nas Europeias podem dar maioria quer ao PS quer ao PSD. Em teoria, a maior parte deles ou pertencerá aos indecisos do centrão ou serão votantes PS desiludidos. Os outros, os que estão firmes na sua vontade, terão votado. É por isso que a derrota do PS não parecia, não parece, irremediável. Mas é também por isso que o renascido PSD pode acalentar esperanças que eram impensáveis há três ou quatro meses.

Só nesta semana, os socialistas arriscam-se a ter perdido uma "mão-cheia"de votos, tantos foram os trambolhões. A constituição de Carlos Guerra como arguido no caso Freeport levou José Sócrates a desdizer o ministro da Agricultura, fazendo a opção correcta, é certo, mas mostrando falha de coordenação e deixando o ministro sem pé. O ministro Mário Lino fez duas declarações públicas impossíveis: primeiro, disse que não tinha idade para continuar como ministro; depois, com um ar cândido, falou de derrapagens nas obras públicas, como se fossem a coisa mais natural do mundo. No caso da Fundação das Comunicações, começou bem, mostrando o engano de Rangel e do PSD, e acabou mal, não explicando por que motivo optou o Governo por uma fundação privada, se os dinheiros são públicos. Para Sócrates, ficou guardado o pior da semana: no Parlamento, mostrou mais uma vez o que pensa da linha editorial da TVI, nuns termos que não são próprios de um primeiro-ministro, descendo ao mesmo nível da jornalista que critica e escorregando na pergunta, a ponto de todos termos percebido que lhe agradaria a alteração editorial. Depois, no caso PT-Prisa, fez figura de inocente, deixando passar a mensagem de que o Governo não sabia nem tinha de saber do negócio que estava em marcha, causando perplexidade geral tanta ingenuidade ou sede de poder. Com o reparo violento de Manuela Ferreira Leite e o puxão de orelhas de Cavaco (possivelmente para além do limite do que é tolerável num PR que se quer equidistante) matou, por razões políticas, um negócio interessante do ponto de vista económico e ainda aí ficou exposto às balas do PSD, que o acusou de se estar a proteger, acusação para a qual não encontrou resposta.

Sócrates, o mesmo Sócrates que no início da legislatura vencia as batalhas que travava, enfrentava lóbis poderosos e gozava de um estado de graça prolongado, aparece agora como um iniciado, exposto a todas as balas e sem protecção, sem alguém a seu lado com peso suficiente para o apoiar no refazer da imagem amarfanhada nas eleições europeias e o ajudar a relançar o partido para o próximo combate eleitoral. Manuela Ferreira Leite, por seu lado, mantém claramente um crescendo de credibilidade e tornou-se "a" figura. As coisas são entre ela e ele. Até o peso do Bloco e o crescimento da Esquerda à esquerda do PS passou para segundo plano. Talvez Sócrates precise que António Vitorino dê mais atenção à política real, agora que elabora o programa de Governo, e que António Costa apareça mais vezes com ele, antes de se dedicar por inteiro à campanha para Lisboa.

domingo, 21 de junho de 2009

Decisões especiais

Opinião






JN 01h21m
Um grupo de economistas acaba de vir a público propor "uma reavaliação profunda dos megaprojectos públicos no sector dos transportes, das suas prioridades e calendários". O conjunto de renomados economistas não é contra - ou sendo-o não o diz abertamente - aqueles projectos. Mas duvida da oportunidade, quer uma reavaliação.

Numa época de eleições, não pode evitar-se notar que a maioria destes economistas pertence maioritariamente a um mesmo partido ou com ele colabora. Será injusto notar que grande parte é do PSD, alguns ex-ministros, ao mesmo tempo que também há entre aqueles economistas gente que já lidou com o PS ou independentes que se reconhecem na área social-democrata, esteja ela representada pelo PS ou pelo PSD? Também não pode deixar de se notar que entre os signatários há alguns responsáveis pelo marasmo da nossa economia, pela forma como nunca fomos capazes de igualar o crescimento europeu, gente que tendo tido o poder não logrou conduzir o país a resultados melhores do que os conhecemos há largos anos. Nem por isso, porém, o alerta destes economistas deve ser posto de lado. Gente de elevada craveira académica propõe que se estude mais, se analise melhor, se perceba bem se este é o momento para avançar.

Para o eleitorado que vai ser chamado a escolher um novo Governo dentro de meses, este apelo é difícil. Ele contraria o que o Governo tem como certo, ainda que, por exemplo no caso do TGV, o Governo tenha feito com que os prazos de uma decisão caibam ao próximo Governo, precisamente ao que vier a ser escolhido em próximo acto eleitoral. Contrariando o Governo, este apelo cola melhor com o que tem dito alguma oposição, nomeadamente a oposição protagonizada por Manuela Ferreira Leite que, honra lhe seja feita, foi a primeira a dizer que "não há dinheiro para nada".

É por isso que este apelo deverá ter um destinatário certo: o presidente da República, cuja isenção não se contesta. Um estudo patrocinado pela Presidência da República poderia e deveria mostrar aos portugueses a nossa real situação. O presidente deveria promover um grande debate nacional com gente do Governo e de todas as oposições, ser ele mesmo o árbitro desse confronto de ideias, cujo principal objectivo seria o dar a conhecer aos portugueses, antes da eleição do próximo Parlamento, a verdadeira situação do país e a oportunidade de algumas opções. Se vivemos uma crise única, deveríamos ter comportamentos especiais. E um debate desses, difícil de pôr de pé, é certo, seria um momento exemplar em que o país se poria a pensar. Depois, votaria. Acresce que o próprio Cavaco Silva corre o risco, até pelo seu estilo de intervenção, de ser injustamente integrado no rol dos que fazem política partidária. O tom enigmático dos seus discursos, que necessita das interpretações que sobre eles fazem o prof. Marcelo, nas suas missas dominicais, e outros políticos que são parte interessada na própria interpretação das palavras do presidente, esse tom não é adequado ao momento presente. É preciso gente que fale claro e fale verdade. Duas pessoas podem ter, ambas de boa fé, duas opiniões. Distintas. Mas a crise não permite erros e o cidadão eleitor precisa de ser esclarecido. Ninguém melhor do que o presidente da República para mediar essa grande sessão de esclarecimento que este grupo de economistas aconselha e o país certamente necessita.

domingo, 14 de junho de 2009

BE: crise de crescimento

Opinião










JN - 00h49m
No BE pode haver quem não pense como Louçã, quem não tenha o mesmo espírito missionário e não esteja disposto a a fazer parte de um partido para o qual o orgasmo político se atinge... na Oposição.



Possivelmente, a esquerda que se revê no Bloco de Esquerda não deixou ainda de comemorar a dupla vitória de domingo - em que subiu mais uns pontos e ultrapassou o próprio PCP. Vão longe os tempos em que Álvaro Cunhal desdenhava dos partidos à sua esquerda, uns "grupúsculos de extrema-esquerda". Hoje, eles chegaram-se à frente e saíram das Europeias como terceira força eleitoral e com vastas razões para comemorar.

Mas também eles - e não só o derrotado PS - têm uma longa reflexão a fazer sobre o futuro. Louçã, na semana que finda agora, aproveitou praticamente todas as ocasiões para repetir que com o PS não haverá acordos. Não se ouve ao BE uma única afirmação do estilo "se nós fôssemos Governo". Pelo contrário: essa é uma hipótese de que o Bloco foge a sete pés. Até ao transe, o BE procurará manter a postura de partido atento à realidade, capaz de distinguir o que faz o eleitorado reagir e sempre pronto ao papel de apontar o dedo, não falhar um único erro e esmiuçá-lo em profundidade, não para apresentar solução melhor, mas para ridicularizar, enfraquecer o pai da ideia.

As ideias no Bloco são para desfazer as ideias dos outros. A toada é sempre bem disposta, tem graça, é directa e é certeira. Tem boa Imprensa e dá votos. Sempre mais, porque é fácil ver engrossar o rol dos que deixam de acreditar e alinham ao lado dos que denunciam a situação.

Mas os dirigentes do Bloco estão obrigados a uma longa reflexão, porque o número de votos que conseguiram obriga a que o partido encare o Poder como uma possibilidade, sob pena de os seus apoiantes se cansarem de dar um voto apenas para a denúncia. Esses mesmos, os que têm engrossado a fileira eleitoral do BE, esses mesmos que nada têm a ver com o PSR, a UDP ou a Política XXI que geraram o BE, acabarão por obrigar o partido a "sujar as mãos" em propostas de solução, em políticas de poder, deixando que outros mais pequenos façam o contra-poder. Francisco Louçã terá, certamente, um grande gozo - até pessoal - por ter passado os comunistas e ter acedido ao clube das duas décimas. Mas ele saberá também que não poderá repetir muito mais vezes que não está interessado no Poder e que de forma alguma fará alianças com o PS. Com os resultados de domingo passado, o BE entra numa crise de crescimento - uma crise boa, dirão os seus dirigentes. E numa crise de crescimento pode haver quem não pense como Francisco Louçã, quem não tenha o mesmo espírito missionário e não esteja disposto a fazer parte de um partido para o qual o orgasmo político se atinge… na Oposição. Não tarda, haverá no BE quem queira ser Poder. Com ou sem Francisco Louçã.

terça-feira, 21 de abril de 2009

A Igreja e a crise

Opinião





JN - 2009-04-19
A semana que passou não deixou grandes saudades. O retrato que o Banco de Portugal traçou dos efeitos da crise em Portugal deixa-nos mergulhados na certeza, aliás admitida por Vítor Constâncio, de que só sairemos do buraco pela mão da Europa e dos EUA, isto é, a nossa economia só arrancará quando a dos nossos parceiros já tiver algum lastro. Já se suspeitava. O relatório provocou as reacções habituais: confiança do Governo nas soluções que vai propondo e um pessimismo profundo da oposição. Profundo e, quase diria, alegre, porque esse pessimismo renderá votos nas próximas eleições.

É por isso que talvez valha a pena olhar para quem faz caminho sem olhar a votos. As redes sociais que pelo país todo vão lutando contra a crise e sendo o apoio mais firme aos que de repente se encontram sem emprego e sem apoios familiares consistentes deram esta semana, pela voz da Igreja, um sinal de contraste, um sinal positivo, um sinal de que, actuando em rede, é possível encontrar soluções. O exemplo veio de uma paróquia - a Serafina, em Lisboa - mas tem condição para alastrar e nisso se vai empenhar a própria Igreja. A Igreja, note-se, tem destas contradições e muitas vezes vem ao de cima o peso da sua acção social experimentada, assente em padres e em leigos que não vivem de costas para os fiéis e não rezam missa em Latim como certamente gostaria o cardeal Ratzinger, agora Papa, mas que fazem o seu dia-a-dia em comunhão com os que realmente sofrem, ao seu lado ou estudando soluções que lhes possam minorar os efeitos da crise.

A hierarquia da Igreja Portuguesa tem hoje, felizmente, gente de grande gabarito intelectual que saberá deixá-la longe da disputa eleitoral e inteiramente ao serviço dos que já são pobres ou vão empobrecer por causa da crise. Não vale a pena negar a evidência de que o Estado precisa da Igreja ao seu lado para este combate. Mais do que isso: sem a Igreja, como sem a participação de um sem número de organizações laicas habitualmente muito empenhadas, esse combate terá mais dificuldade em ser eficaz.

É bom que todos vamos tomando consciência de que estas redes podem ser o lado mais firme do combate à crise. Pelo andar da carruagem política, poderemos caminhar para uma solução sem maioria e sem consensos onde o mais natural é que ao desagregado PSD se junte depois um PS ferido, confuso e à procura de quem o conduza de novo ao poder. Numa situação de indefinição política prolongada e sem a crise estar afastada, são estas organizações, a Igreja com o seu peso e todas as outras também com a sua experiência, que sustentarão no terreno os que, vivendo fora das tricas políticas, viverão bem por dentro os efeitos da crise.

quarta-feira, 1 de abril de 2009

Justiça envolta em dúvidas

Opinião







Justiça envolta em dúvidas
00h30m

O Sindicato do Ministério Público quer uma audiência com o presidente da República para lhe dar conta das pressões a que os magistrados estarão a ser sujeitos no caso Freeport. Suspeita-se que em causa deverá estar a intenção dos seus superiores hierárquicos de arquivar um processo a que tem estado associado o nome do primeiro-ministro. Não é assunto fácil de tratar diante dos olhares da opinião pública. Se os magistrados têm dúvidas deveriam ter luz verde dos seus superiores para que investigassem até elas desaparecerem. A verdade é que o processo se arrasta e arrasta com ele o bom nome de José Sócrates. Pior um pouco: no pé em que o processo está, a própria Justiça parece já envolvida, parece que há quem queira condenar Sócrates ou quem o queira absolver, independentemente do que se investigar. É a pior imagem que poderia passar para o público. Mas é a que passa.

Mas há mais. Se bem se recordam, Avelino Ferreira Torres saiu há dias ilibado de um tribunal. Ilibado e, naturalmente, indignado pelo que se tem dito dele. Eu não o recomendaria como um modelo de virtudes, mas que posso eu fazer diante de um tribunal que não encontra provas para o condenar? Foi a acusação que não fez o trabalho de casa? Vem a propósito perguntar o que vai acontecer com Isaltino, que aguarda ainda o fim do julgamento e, obviamente, tem direito a um julgamento justo e o direito a ser presumido inocente. Mas o que ele já disse também não faz dele um exemplo que possamos apontar aos nossos filhos: assumiu que os rendimentos declarados são inferiores ao seu património; disse que as declarações de rendimentos que fazia eram mentirosas, porque ninguém as levava a sério; e, como se fosse a coisa mais natural deste mundo, revelou que o dinheiro sobrante de umas autárquicas foi depositado na sua conta.

Fica difícil para o cidadão comum distinguir um homem probo de um habilidoso que joga com as circunstâncias. E a Justiça, infelizmente, não se coloca onde sempre deveria estar: acima de qualquer suspeita. E isso acontece, sempre ou quase sempre, não por acção criminosa - era o que mais faltava -, mas porque muitos agentes desempenham mal o seu papel ou não têm o cuidado de explicar algumas das decisões. Não basta à Justiça afirmar-se independente. É preciso que a Justiça recupere junto da opinião pública o seu estatuto de credibilidade. De valor seguro. De instância desinteressada e suprema.

Muita violação de segredo de justiça, muitas sentenças incompreendidas, muitas demoras inexplicáveis, muitos sinais - porventura errados - de subserviência a outros poderes retiraram à Justiça marcas que em tempo de crise seriam de grande utilidade para garantir a saúde do regime democrático. A isto se juntou o facto de alguns políticos utilizarem a Justiça num combate que deveria ser apenas político. E tudo contribuiu para que não haja decisão que não seja contestável ou tida por dúbia. E isso só interessa aos criminosos e aos habilidosos, que mesmo condenados podem sempre continuar a gritar a sua inocência, podem sempre lançar a dúvida que vai diminuindo a Justiça aos nossos olhos.

domingo, 22 de março de 2009

Democracia adulta?

Opinião






JN - 00h30m
Trinta e tal anos de Democracia trouxeram-nos até onde? Tantas vezes afirmámos já que a Democracia está adulta e, no entanto, não temos resposta para uma série de questões.

Veja-se o provedor de Justiça. Não há acordo; o PS resolveu divulgar o nome que tinha proposto e relativamente ao qual nem obteve resposta do PSD, partido que, no entanto, acusa os socialistas de querer preencher todos os lugares públicos.

Quem tem razão? Provavelmente, como quase sempre acontece em Portugal, cada um deles tem uma parte da razão. Boa política, própria de democracia adulta, seria, sem pestanejar, o PS convidar o PSD a indicar um nome que conseguisse recolher dois terços de votos. Seria boa política e obrigaria, naturalmente, a reciprocidade quando houvesse rotação no poder.

Numa democracia adulta, uma maioria absoluta seria uma coisa natural. Em Portugal, não. Ouvindo-se as oposições, uma maioria absoluta é meio caminho andado para um quero-posso-e-mando do partido maioritário. Quase uma ditadura. Como a memória é curta, já ninguém se lembra do que se dizia quando Cavaco era primeiro-ministro com maioria absoluta ou da imagem que Soares usou na sua corrida presidencial contra um candidato apoiado pela maioria de então, dizendo que não se devia pôr os ovos todos no mesmo cesto. São esquecimentos que dão jeito, mas que não são próprios de uma democracia adulta.

Numa democracia adulta, um primeiro-ministro não comenta depreciativamente uma manifestação de trabalhadores, ainda que possa saber de algumas manipulações. Numa democracia adulta, as classes profissionais acatam as leis que as regem e não agem corporativamente.

Numa democracia adulta, não há mal em um político, mesmo que esteja no poder, ser investigado. Em Portugal, não. Somos lestos a culpar. Uma acusação a um político, algum fundamento deve ter. Pensamos todos erradamente assim: os adversários políticos que o querem ver enfraquecido, os amigos que preferem passar a ideia de que os adversários querem é denegrir a sua imagem e que não estão interessados numa investigação serena e justa e até muitas vezes o próprio, que sabe quanto o amachuca a divulgação pública de uns quantos factos. Aliás, em termos de justiça, estamos muito longe da idade adulta: os processos arrastam-se, sujeitos a manobras dilatórias de toda a espécie, sem respeito por nenhum dos intervenientes e deixando quase sempre a convicção de que quem tem dinheiro para um bom advogado se pode salvar . Não faltam exemplos. Em matéria de segredo de Justiça estamos conversados, perante a ligeireza com que alguns estão prontos a denegrir a imagem de terceiros. E, no campo oposto, até temos magistrados que ousam dizer - como ontem fazia Maria José Morgado - que há políticos pobres que ao fim de uns anos estão milionários. Numa democracia adulta, uma magistrada foge do protagonismo e desempenha o seu papel. No nosso triste caso, descontando embora alguma sede de protagonismo, é preciso que uma magistrada venha para um jornal despertar consciências.

Temos muito caminho a percorrer. Como lá bem no fundo todos sabemos, temos muito que aprender, pelo menos enquanto formos o único país da Europa em que os condutores vêem o amarelo do semáforo e… aceleram, a ver se passam. O nosso mal é andarmos sempre a querer passar ao lado das regras .