terça-feira, 31 de janeiro de 2012

Centenário. A vida extraordinária de D. Maria Adelaide de Bragança, princesa de Portugal | iOnline

Centenário. A vida extraordinária de D. Maria Adelaide de Bragança, princesa de Portugal | iOnline

 
Por João Távora, publicado em 31 Jan 2012 - 03:10 | Actualizado há 8 horas 59 minutos

Adelaide de Bragança, a última neta viva do rei D. Miguel, faz hoje 100 anos e vai ser condecorada pelo Presidente da República. O monárquico João Távora faz o retrato.

Foi há pouco mais de dois anos que num dia soalheiro e húmido de Novembro, por ocasião de uma entrevista para o boletim da Real Associação de Lisboa, com alguma emoção tive o privilégio de privar com a D. Maria Adelaide de Bragança, infanta de Portugal, que hoje completa e festeja 100 anos de uma extraordinária vida.


Não deixa de ser algo irónico ter sido numa pequena moradia da “outra banda”, onde fomos tão acolhedoramente recebidos, que nos encontrámos com uma verdadeira princesa, tão ou mais encantada que as dos romances e do cinema cor-de-rosa. Afilhada do rei D. Manuel II e da rainha D. Amélia, por insólita conjugação de duas paternidades muito tardias e da sua feliz longevidade, a infanta rebelde, como ficou conhecida, é neta, a última neta viva, do rei D. Miguel, esse mesmo, o do tradicionalismo e da guerra civil de 1828-1834.


Filha mais nova do duque de Bragança D. Miguel (II) e de Maria Teresa, princesa de Löwenstein-Wertheim-Rosenberg, D. Maria Adelaide nasceu ironicamente no dia 31 de Janeiro, em 1912, em St. Jean de Luz, no exílio a que todos os da sua família estavam sentenciados, tendo crescido em Seebenstein, na Áustria, em convívio com as mais influentes famílias europeias, sonhando com o país que não lhe era permitido conhecer. Vivia distante de Portugal mas era totalmente português o seu coração. E cresceu com o rigor de orçamentos matemáticos e com o estoicismo próprio dos exilados numa época histórica especialmente conturbada. Uma verdadeira mulher do mundo, vem-lhe da infância a curiosidade pelas questões políticas e humanitárias: a infanta confidenciou-nos que ainda pequena se escondia atrás de um sofá na sala para ouvir as conversas de seu pai com militares e políticos. Habitando no olho do furacão que varria a Europa Central do início do século xx, a pequena D. Adelaide de Bragança acabou por viver aventuras e desventuras de pasmar: da Primeira Guerra Mundial recorda o racionamento e as filas para aquisição dos alimentos que então rareavam. “A certa altura, ainda eu era muito pequena, comíamos batatas ao pequeno-almoço, que vinham de comboio e no Inverno congelavam. Uma batata congelada nem um animal consegue comer: ficávamos sem a refeição.” D. Maria Adelaide ressalva que não chegou a passar fome pois, por ser muito pequena, sempre arranjava qualquer coisa quando passava na mercearia ou no talho. “O meu irmão (D. Duarte Nuno de Bragança), esse sim: primeiro porque não ‘pedia’, segundo porque não queria receber ‘assim’ os alimentos, e repartia o pouco que tinha, em prejuízo da sua saúde”, que se deteriorou, fazendo perigar os saudosos passeios de bicicleta que a pequena infanta dava com o irmão, sentada no guiador, recorda. Muito mais nova que as irmãs, não a atraíam brincadeiras e actividades próprias das meninas da época: detestava bonecas, rendas ou culinária.


Em busca de subsistência, a família refugiou-se então numa propriedade de um tio materno na Boémia, que no final da guerra acabou “requisitada” pelos comunistas, com os quais se encantou, “com as suas boinas vermelhas e cavalos altivos”.


Já em Viena, a jovem infanta estudou Enfermagem e Assistência Social, e habitou numa residência universitária, “uma coisa já natural para uma senhora na altura”. Cresceu de frente para um mundo em convulsão e testemunhou a ocupação nazi, ainda em Viena, onde, como enfermeira, acudia aos feridos entre bombardeamentos.


Apanhada pela Gestapo, foi presa, acusada de ouvir transmissões da BBC. Interrogada, esteve na solitária e foi libertada mediante a intervenção diplomática nacional, tendo-lhe sido concedido um passaporte português. Essa experiência, contudo, acabou por determinar a sua adesão à resistência organizada, no grupo O5, onde o seu nome de código era Mafalda. Já perto do fim da guerra foi presa uma segunda vez, vítima de uma denúncia que custou a vida a vários ingleses e judeus austríacos que se escondiam na sua casa em Seebenstein. Foram extremamente penosos, de fome e dor, os dias dessa prolongada prisão em Viena, então flagelada pelos Aliados, nos derradeiros meses da ocupação nazi. Com os ocupantes nervosos e em debandada, foi na iminência de uma execução sumária que a infanta de Portugal foi libertada pelo exército soviético.


Entre correrias, bombardeamentos e aflições, sem nunca perder de vista a assistência humanitária, conheceu um estudante de Medicina, de seu nome Nicolaas van Uden, com quem casou depois da guerra. “Ele como médico e eu como enfermeira estivemos para ir para África, mas pressionados pela família acabámos por vir para Portugal”, por volta de 1949, ainda antes da revogação da lei do banimento.


Instalada a família numa quinta em Murfacém, perto da Trafaria, D. Maria Adelaide cedo se entregou a uma intensa actividade, tendo dirigido a Fundação D. Nuno Álvares Pereira, em Porto Brandão, instituição de apoio a mães pobres em final de gravidez e a crianças abandonadas, dedicando a sua vida aos mais desfavorecidos. A sua forma de relacionamento e gestão pouco convencional para a sociedade “chique” do regime chocou algumas mentes mais puritanas, que a acusavam de comunista, facto negado pela sua profunda devoção católica.


Longe das fugazes ribaltas e feiras de vaidades, a senhora D. Maria Adelaide celebra hoje 100 anos. Celebra-os com uma missa de Acção de Graças pelo dom da vida, na Igreja do Bom Sucesso, e um jantar simples organizado por amigos e família no Centro Cultural de Belém. A Senhora Infanta, como é tratada pelos mais próximos, além de constituir um precioso testemunho vivo, directo e indirecto, da história dos últimos duzentos anos, constitui um verdadeiro exemplo de profunda nobreza, aliada a uma invulgar coragem e irreverência, que tanta falta faz nos dias de hoje.

11 comentários:

Anónimo disse...

Esta história de Vida absolutamente deslumbrante, para qualquer cidadão do Mundo, com elevação humanista e cívica, deve mais logo ser recordada e noticiada pela televisões portuguesas, como o fazem de meia em meia hora com isso do futebol...

Leite Pereira disse...

Meu Caro Anónimo das 14H24 tem toda a razão mas bem pode esperara que seja noticiado. Se fosse futebol, a subida da dívida pública, mas mortes macacas, etc. não tenha dúvida que havia notícia.
Este livro de Raquel Ochoa merece ser lido pela lição de vida que nos dá.

Anónimo disse...

Felizmente que a monarquia acabou. Houve um tempo em que teve o seu sentido, mas nos séculos XIX e XX os regimes dinásticos tornaram-se obsoletos e já não davam resposta ás novas realidades. Esta senhora viveu e nasceu em berços de ouro enquanto muitas crianças viviam na lama, na miséria, frequentava os grandes palácios enquanto crianças, mulheres e homens viviam em pocilgas e morriam precocemente. A igualdade de oportunidades e o direito á igualdade e a uma justa distribuição dos rendimentos são um direito de todos e não de uns previligiados de nascença.

Pedro Correia

Anónimo disse...
Este comentário foi removido por um gestor do blogue.
Isabel Magalhães disse...

Se o anónimo [31 de Janeiro de 2012 21:33] tivesse tido o trabalho de ler o artigo evitava debitar uma série de 'ideias' mal digeridas. Tem todo o direito de ser republicano não deve é escrever sobre o que desconhece.

Leite Pereira disse...

Mais uma vez o anónimo Pedro Correia a debitar asneiras. Compre o livro e veja se ela nasceu num berço de ouro e se teve uma vida fácil. Não me parece que a monarquia seja obsoleta veja-se a inglesa, espanhola, belga, holandesa e nórdicas.

Isabel Magalhães disse...

Só não vê quem não quer ver. Os países europeus com monarquias são dos que têm melhor nível de vida.

Quanto à despesa, mesmo aqui ao lado na vizinha Espanha, o Rei custa mais barato que o PR de Portugal.

Anónimo disse...

Caro Leite Pereira e Estimada Isabel Magalhães,

Percebo a importância da Monarquia actual, e da espanhola em particular, especialmente para alimentar esse filão que são as revistas "del corazon", como a famosa "Ihola" que certamente figurará entre as predilectas de muito boa gente.....
Se a monárquia é mais cara ou barata que a presidência não sei. Sei que é uma vergonha os custos da actual presidência da républica, e aqui os cortes deviam ser impiedosos, em choferes, mordomias etc.
Mas sabem, eu prefiro poder escolher alguém com o meu voto democrático, do que me ser imposto um rei, que é rei por direito de berço. Imagine-se o que seria o D. Duartinho e esposa reis... e os seus filhotes principes e princesas por direito de nascença e os contribuintes a pagarem. Seria vergonhoso.
E tirando as revistas del corazon, deveriam saber que a monarquia espanhola é um pouco diferente, principalmente pela transição que o Rei actual permitiu entre o regime franquista e a democracia, para além de ser um elemento de unidade nacional, já que Espanha é uma manta de retalhes, uma ilusão, só os espanhóis de Madrid é que se querem manter espanhõis, os outros querem Independência!

Pedro Correia

Isabel Magalhães disse...

Ó anónimo [1 de Fevereiro de 2012 23:54];


Santa ignorância!

Invista um bocadinho do seu tempo a ler a História de Portugal - de preferência de vários autores - e talvez consiga perceber a enormidade do que aqui debitou.

Leite Pereira disse...

Não sei qual a razão de o regime monárquico incomodar tanta gente. A nossa constituição proíbe a monarquia mas não proíbe um regime comunista como já tivemos nos idos de 1975 e que foi só um cheirinho do que seria se tivessem vencido. Apesar disto diz-se que Portugal vive numa democracia, mas está impedido de escolher o regime em que pretende viver, ou melhor só pode escolher entre o que temos actualmente e o comunismo. Brilhante democracia!!!

Isabel Magalhães disse...

Caro Leite Pereira;

Subscrevo.

Faço minhas as suas considerações que tenho repetido assiduamente ao longo dos tempos.