segunda-feira, 5 de março de 2007

Lei das Finanças Locais

A nova lei das finanças locais, que vêm substituir a de 1979, têm um objectivo, o de melhorar o desempenho financeiro das autarquias locais, limitando a sua capacidade de endividamento, como forma de diminuir o défice nacional e o peso financeiro da máquina autárquica local. Isto têm implicações na autonomia do poder local.

Com efeito, podemos indagar se esta mudança não terá uma influência negativa na democracia do poder local. Porque certo será que 50% ou mais dos municípios portugueses terão o seu orçamento diminuído com a aplicação - progressiva e limitada a variações de 5% ao ano, para cima ou para baixo - da nova fórmula de cálculo.

Isto em parte vai levar a uma de duas coisas. Haverá regiões que celebrarão acordos de parceria com vista a explorar com maior eficiência os recursos disponíveis, já que um município "per si" não consegue sobreviver sozinho - prenúncio da regionalização? - ou então entrará em declínio contínuo, acelerando a desertificação e apagando a memória de um povo que em tempos idos vivia da terra.

A nova lei - muito pouco abordada pelas secções do PSD pois estas deviam ser as mais interessadas em clarificar os militantes locais sobre esta reforma - acaba por reforçar o orçamento das áreas com maior densidade populacional, beneficiando as Áreas Metropolitanas do Porto e de Lisboa, além da faixa litoral. A área fronteiriça, raiana, será a mais prejudicada.

Foi acordado que as autarquias passariam a ter novas competências na área da saúde, acção social, segurança e educação. É uma reforma de largo espectro, beneficiando os interesses locais das comunidades. Pelo menos é esse o objectivo inicial, com a passagem de tomadas de decisão, investimentos e responsabilidades que isso implica.

Especificando melhor o Orçamento do Estado para as autarquias, há dois tipos de fundos, o fundo geral municipal e o fundo de coesão municipal, este último para colmatar as fortes assimetrias regionais, entre o Interior e A.M./Litoral. Contudo, o geral, têm uma fórmula de cálculo do orçamento que leva em conta 65% da população habitante. Feitas as contas, acabamos por ter um cenário que reforça o orçamento municipal das câmaras municipais e freguesias (estas têm dotação em regimes separados do O.E.) mais populosas.

Para "refrear" as grandes mudanças, "pacificou-se" a nova lei das finanças locais, introduzindo patamares anuais de mudança não superior a 5%. Estima-se que se esta lei se prolongar nestes moldes, levará 20 anos até que o orçamento atribuído às autarquias chegue ao seu "valor real", atribuído pela nova lei de finanças locais.

Contudo, a entrada de limitação de endividamento da autarquia será efectiva já para o planeamento orçamental autárquico de 2008. Se a autarquia tiver dívidas elevadas, com crédito a médio ou longo prazo ou "leasing" a mais de 5 anos, estará em situação ilegal e todos os seus actos de gestão ficarão sobre supervisão técnica do governo, um órgão de estado diferente daquele de que a população votou e elegeu para a sua autarquia, violando o princípio da neutralidade e podendo levar à retracção dos investimentos municipais, dificultando o desenvolvimento local.

O mais triste e revelador dos reais intentos do governo actual é que a primeira proposta apresentada às autarquias através da Associação Nacional dos Municípios Portugueses suprimia uma frase da lei anterior : "salvaguarda da democracia e autonomia autárquica". Interessante, não é?

O que nos reserva o futuro? Haverá com certeza uma mudança do paradigma autárquico, levando ao ressurgir de áreas metropolitanas - um exemplo disso é a Comunidad de Madrid - com eleições directas e acabando com a representatividade atribuída presentemente aos munícipes locais eleitos, para o estabelecimento de um novo nível de administração territorial e com soberania na tomada de decisões que tenham influência na gestão dos municípios locais. Se não se cortar algum nível de administração a nível regional, como os Governos Civis, ou Delegações Regionais de Ministérios, o peso da máquina do Estado aumentará. Se assim for, não estaremos perante uma simplificação do poder local, mas um aumento burocrático e uma limitação do exercício das funções autárquicas.

Embora se trace actualmente um quadro negro - e vamos ser realistas, o que se passou em Felgueiras, Gondomar, Lisboa e Oeiras acaba por manchar a fotografia - em cerca de 30 anos de poder autárquico nunca houve tamanha evolução do poder local e da sua importância na vida das suas comunidades. É preciso, acima de tudo, ter isso em conta.

Nota: a 26 de Março decorrerá no Lagoas Park Hotel em Oeiras, uma conferência promovida pela ANMP. A não perder, para todos os eleitos locais.

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