JN 31.8.2009
Estamos condenados a viver com dois indivíduos que não fazemos ideia quem são. Não sabemos o que fizeram, nem o que querem fazer. Não sabemos, sobretudo, o que podem fazer. Sabemos que não podem regressar ao seu país de origem, a Síria, porque, segundo fontes do Ministério da Administração Interna (MAI) citadas pelo SOL, pertencem a "movimentos mais radicais não tolerados pelo regime sírio". O governo português também não confia neles pois diz que os colocou "sob estreita vigilância dos serviços secretos" e não podem viajar para o resto da Europa porque a União não deixa. De resto, mais ninguém disputou a honra de receber estes prisioneiros de Guantanamo. Sabemos que a Itália, a Alemanha e a Áustria rejeitaram, como sendo um ultraje, os pedidos de Washington canalizados por Bruxelas. Sabemos que o Reino Unido aceitou um detido, Binyam Mohamed, porque foi raptado pelos americanos quando tinha residência legal no Reino Unido e que a França aceitou um argelino, Mahmmoud Boumediene, devido às íntimas relações de Paris com a sua ex-colónia. De qualquer modo, são homens com nome e com cara. Os nossos, não têm nem uma coisa nem outra. "Por razões de segurança e preservação da privacidade desses cidadãos, não serão fornecidas informações sobre identidade, residência e outros dados que lhes digam respeito" é o que diz o comunicado do MAI que proibiu a estes "militantes radicais" qualquer contacto com a imprensa portuguesa. Se este processo fosse lícito, a obrigação do governo de Sócrates era fazer uma conferência de imprensa à chegada dos detidos de Guantanamo para o país avaliar por si o risco que passou a correr. Mesmo assim, o que se sabe é já suficiente para se ter uma imagem preocupante. Sabemos que havia mais nove sírios em Guantanamo que queriam vir para Portugal e que o Governo de Sócrates escolheu estes. Sabe-se que foram torturados em Guantanamo e que não confessaram nada. Sabe-se que foram sequestrados e detidos em condições prisionais terríveis, contra tudo o que o Direito Internacional preconiza e que o Direito americano consente. Sabe-se que Portugal participou nesse horror. Não se sabe até que ponto. Será esta concessão de asilo uma forma de pagamento a Washington pelo silêncio? Pode muito bem ser. Os americanos, seja qual for a administração do momento, são impiedosos e oportunistas nestas questões. Claro que a obrigação do governo de Obama era encerrar o campo de concentração de Guantanamo ressarcindo as vítimas e acolhendo-as no seu próprio território se elas assim o desejassem. Mas não, a América de Obama decidiu tratar os indesejáveis que raptou e que "militam em organizações radicais" como trata resíduos tóxicos. É mais cómodo e barato mandar para o outro lado do mar do que assumir responsabilidades. Assim, este acolhimento não é resultado de uma preocupação humanitária do Governo de Portugal. Houve, tudo o sugere, oportunismo e conveniência de parte a parte. Como cidadãos, temos o direito de saber tudo sobre esta transacção. Há mais. Na noite de sexta-feira, ao noticiar a chegada a Lisboa dos dois sírios, a Rádio France não referiu o Governo de Portugal. Disse que a vinda dos detidos era resultado de um "acordo entre a União Europeia e os Estados Unidos". Esta sucinta maneira de descrever o que se está a passar ilustra a transferência real de soberania dos governos portugueses para os seus credores e patrões em Bruxelas e Washington. De dívida em dívida as exigências são já imposições.
1 comentário:
Só espero que não tenham vindo para Oeiras, já que o Tininho dá casa a toda a gente e como nos últimos meses andou a passar a mão no lombo do Sócrates, é bem possível que estes marmanjos sírios estejam alojados num qualquer bairro da Câmara Municipal de Oeiras...
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