quinta-feira, 9 de agosto de 2007

Palácio do Egipto - reconstrução ou alucinação?

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Desde que numa palestra em 2006 tomei conhecimento do que se cozinhava em relação ao Palácio do Egipto e à sua reconstrução e reabilitação, que comecei a ficar preocupado.

O que vinha a público era muito pouco, como de costume, e das poucas informações que eu tinha, sobressaía que a intervenção poderia estar a ser feita, mais a pensar na vã glória de algum arquitecto e de algum autarca, do que para realmente dar àquele importante edifício seiscentista — Património pré-pombalino da Vila de Oeiras, integrado no Centro Histórico — a dignidade que ele mereceria, tão degradado que ele foi por ocupações sucessivas pautadas pela incúria dos ocupantes, p.ex. a A.D.O., degradação amplificada pelo desleixo da autarquia em relação ao mesmo.

Porquê esta minha 'paixão' pelo icónico Palácio do Egipto?
Conheço-o desde criança, quando vim habitar Oeiras por volta de 1970. A sua designação chamou-me desde logo a atenção. O que raio tinha o Egipto a ver com Oeiras e com aquele palácio? Eu apenas sabia do Egipto o que aprendera nos bancos da escola e não era capaz, é claro, de estabelecer uma relação.
Sei hoje que a designação advêm de Nossa Senhora do Egipto, a padroeira da propriedade ali erigida, que deu nome à quinta e naturalmente passou para a casa nobre entretanto ampliada e transformada em palácio, acabando por designar este. Cronos encarregou-se de fazer desaparecer a 'Nossa Senhora'... ficou orgulhosamente sozinho o 'Egipto'. Palácio do Egypto.

Aprendi muito sobre ele quando por volta de 1982/83 colaborei num trabalho de faculdade para História de Arte. Lembro de um contacto com uma arquitecta da C.M.O. que nos recebeu para nos fornecer alguns elementos sobre o palácio, contacto esse em que, entre outras coisas, ela nos mostrou fotografias de decorações afresco que tinham sido descobertas nos estuques no interior do palácio. Lamentavelmente esse trabalho de faculdade foi entregue sem terem sido feitas cópias... era uma época em que não havia dinheiro nem para uma bica...

Recordo-me também de, aos sábados, nos idos anos 70, lá ir assistir a sessões de cinema. Verdade! Juro!
Falha-me a memória e não garanto que fosse de borla, entrada livre. Mas se não era, os preços eram certamente muito mais acessíveis que os praticados na sala 'oficial' de cinema de Oeiras, o actual Auditório Eunice Muñoz, É claro que as coisas aconteciam duma forma menos 'profissional'. Era mais 'animatógrafo'. A sala era um corredor comprido com cadeiras de pau encostadas a um lado. O projector ficava atrás, no meio do corredor, e tinha ar de ter saído do fundo do baú, montado e desempoeirado a correr para o efeito. Mas funcionava, e isso era o importante! O écran era a branca parede do fundo. Arrisco chamar-lhe um ancestral dos mais tarde populares cinemas de bolso.

Ah, que magníficas cóboiadas ali vi!! Provavelmente filmadas em Espanha...
Ele era índios (os maus da fita), ele era cóbois, ele era cavalos, ele era enebriantes mulheres de saloon com um Ás na liga, ele era duelos ao amanhecer (que é de manhã que se começa o dia), ele era cavalgadas e grandes cenas de pancadaria... enfim, no fim o rapaz beijava a rapariga e casava com o cavalo.
E os gladiadores!? Eh valentes, à cachaporrada contra os gordos corruptos, lascivos e de ar amaricado, do Poder Romano!! Até lembra coisas de hoje... já não há é cachaporrada. Caiu o gládio.

Menos agradável, pelo contributo da sua existência para a degradação do palácio, são as memórias das jantaradas com amigos no restaurante/casa de fados que lá funcionou por volta de 1981 ou 82. Este também não durou muito, e ainda bem, que os estragos no edifício foram avultados.


Passemos à actualidade.
Há pouco estive a ler o "Oeiras Em Revista" n.º 92 - Julho 07, que nas páginas 71 a 75 apresenta um artigo sobre a decorrente reconstrução do Palácio do Egipto. Li o artigo, vi as imagens e os meus piores receios confirmaram-se! Fiquei literalmente estarrecido!

Aquele Pórtico é a maior aberração arquitectónica que se viu nos último tempos! Rivaliza com a pirosice das casas dos emigrantes em desintegração espacial e visual...
Tem uma estética que nada tem a ver com Oeiras e a sua história. Não existe nada em termos documentais em Oeiras que tenha a ver com aquele 'monstro'. Pelo menos que eu saiba.
Além disso tem uma volumetria completamente desadaptada ao espaço e construções envolventes — o Palácio, que fica 'esmagado' e a Igreja Matriz, que deixa de ser o centro de atracção visual, pólo condutor da visão através do Largo 5 de Outubro. Perde-se o equilíbrio daquele amplo espaço, que já tinha sido agredido pela abstrusa intervenção nele feita em tempos recentes, que em muito contribuiu para lhe retirar o carácter de centro vital de Oeiras, destruindo o comércio local e a vida, diurna e nocturna, que ali acontecia.

Já não bastava a aberração que é o portão-bunker da Junta de Freguesia de Oeiras e São Julião da Barra no Centro Histórico da Vila de Oeiras, agora temos este novo mamarracho a atentar contra o Centro Histórico — será que o autor dos dois é o mesmo...!?

Sobre a prosa do artigo, em versão bilingue, apenas me ocorre dizer que é "para inglês ver".
Nada diz de concreto e soa permanentemente a 'desculpem qualquer coisinha'.
Tem uma grande falta de substância e de rigor histórico assim como no plano esteticamente conceptual, que sustenham e tornem compreensíveis as opções do projecto. Soa a 'poeira para os olhos'.


Sobre as imagens do artigo — chamo especial atenção para a quarta —, aqui ficam elas para que julgais por vós mesmos:

A propósito do andamento desta reconstrução, em 2 de Maio último publiquei
AQUI um pequeno slideshow que talvez mereça a pena rever, assim como os comentários.

Aguardo uma oportunidade para me deslocar ao palácio e verificar in loco o estado actual das obras. Nessa altura farei notícia.

imagens: extraídas do artigo supracitado - CLIQUE PARA AMPLIAR.
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4 comentários:

Isabel Magalhães disse...

Amigo J.A.;

EXCELENTE!

(como é hábito)

[]
I.

o scriptum - Tenho que lá levar a 'digital'. Há uns meses, no dia dos monumentos e sítios, e aquando da visita guiada ao centro histórico da vila de Oeiras, era visível a demolição efectuada.

Unknown disse...

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Obrigado, Isabel.

O que critico no projecto é mesmo aquele pórtico monstruoso.
É indubitável a necessidade de intervir no palácio.
Pergunto é se o pórtico não poderia ser substituído por um objecto arquitectónico mais modesto que cumprisse as mesmas funções, sem ter que 'entrar pelos olhos dentro'...

Digital - ando sempre com a minha no bolso, a pensar no que posso encontrar pelo caminho.

Nestes últimos dias tenho andado a fotografar património do qual ainda não tinha fotos ou as que tinha eram poucas e de baixa qualidade.

Há novidades a caminho... :)

bjs,

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antonio manuel bento disse...

Caro José António,

Parabéns uma vez mais por mais um texto da sua autoria, sempre com a indissociável chancela da sua sabedoria expressa na elevadíssima qualidade da informação prestada ao cidadão, a par da inquestionável pertinência e interesse que a sapiência das suas palavras têm para o nosso tão estimado Concelho de Oeiras.
Concordo com tudo o que diz e assino por baixo. Acrescento ainda um paralelo com o antigo Palácio dos Anjos que, ao que parece mudou de nome, a par dos acrescentos a que foi sujeito, desvirtuando o seu traço primário arquitectónico para um misto de modernidade não assumida, facto esse que ao que parece está hoje muito em voga e que ao que parece também vai ser feito o mesmo no Palácio do Egipto.
Julgo que os palácios devem ser reabilitados e sem dúvida destinados a novos usos pois as princesas à muito que não os habitam. Mas julgo também que os novos fins a que estas estruturas se destinam não merecem o seu desvirtuamento, não é digno da boa conservação e reabilitação do património a deturpação e diria mesmo, a amputação e acrescento por parte dos arquitectos modernos - com a mania que são artistas da arte - do trabalho feito por esses nobres mestres de obras do antigamente, arquitectos que não tendo estudado ou participado em lobbies, marcaram uma época do seu tempo deixando para a posteridade estes belos palácios.
Recordo-me de há uns vinte anos quando se queriam construir uns arranha céus nas traseiras do Mosteiro dos Jerónimos - Recordam-se?, no tempo de Kruz Abecassis, um grande homem mas senil no final do mandato - é o que se passa agora em Oeiras. Brevemente surgirá uma situação idêntica na Fábrica da Pólvora, essa riquíssima infra-estrutura, cravejada da mais nobre azulejaria portuguesa.
E a Quinta do Marquês? Tem tido noticias?

António Manuel Bento, um cidadão ao serviço da comunidade.

PS, Infelizmente ao deslocar-me à tal palestra dos maçons, acompanhado de uma boa dose de ira e fel para lhes fazer ouvir das boas, verifiquei em informação que a mesma tinha sido anulada. Uma pena.

Unknown disse...

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Caro Antonio Manuel Bento,

Grato pelos parabéns mas julgo-os imerecidos. Nada mais fiz que informar e expor aqui as minhas preocupações.

Conheço vagamente a reconstrução do Palácio Anjos e também acho que poderia ter sido mais acautelada e ajuizada.

Sobre a Quinta do Marquês... deve estar a referir-se à do BARÃO.
Não tenho tido notícias nenhumas sobre o destino que lhe vai ser dado, para além daqueles boatos que aqui foram ventilados da última vez.
Continuo a aguardar novos desenvolvimentos. Uma coisa garanto, porque moro perto e tenho vista para ela. Não se percebe qualquer espécie de movimento na mesma que indicie que alguma coisa vá acontecer.
Seja como for, ela pertence maioritariamente ao Município de Cascais e a zona que pertence ao Município de Oeiras — muito interessante, pela grande mancha verde que a constitui — não parece ameaçada.

Neste momento, as minhas preocupações, para além do Palácio do Egipto, em que parece que nada se pode já fazer porque as obras avançam a bom ritmo, vai para o destino da Fundição de Oeiras, que continuo sem saber qual vai ser.

Cumprimentos,

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