JN 00h30m
Mark Felt foi um daqueles príncipes que o sólido ensino superior norte-americano produz com saudável regularidade. Tinha uma licenciatura em Direito de Georgetown e chegou a ser uma alta patente da marinha dos Estados Unidos. Com este formidável equipamento académico desempenhou missões complexas no Pentágono e na CIA.
Durante a guerra do Vietname serviu no Conselho Nacional de Segurança de Henry Kissinger. Acabou como Director Adjunto do equivalente americano à nossa Polícia Judiciária. Durante vários anos foi Director Geral interino do FBI. Foi nesse período que Mark Felt se tornou no Garganta Funda. Muito se tem escrito sobre as motivações de um alto funcionário do aparelho judiciário americano na quebra do segredo de justiça no Watergate. Todo o curriculum de Felt impunha-lhe, instintivamente, a orientação clássica de manter reserva total sobre assuntos do Estado. Hoje é consensual que Mark Felt só pode ter denunciado a traição presidencial de Nixon por uma razão. Para ele, militar e jurista, acabar com o saque da democracia americana era uma questão de honra. Pôr fim a uma presidência corrupta e totalitária era um imperativo constitucional. Felt começou a orientar em segredo os repórteres do Washington Post quando constatou que todo o aparelho de estado americano tinha sido capturado na teia tecida pela Casa Branca de Nixon e que, com as provas a serem destruídas, os assaltos ao multipartidarismo ficariam impunes. A única saída era delegar poder na opinião pública para forçar os vários ramos executivos a cumprir as suas obrigações constitucionais. Estamos a viver em Portugal momentos equiparáveis. Em tudo. Se os mecanismos judiciais ficarem entregues a si próprios, entre pulsões absurdamente garantisticas, infinitas possibilidades dilatórias que se acomodam nos seus meandros e as patéticas lutas de galos, os elementos de prova desaparecem ou são esquecidos. Os delitos ficam impunes e uma classe de prevaricadores calculistas perpetua-se no poder. Face a isto, há quem no sistema judicial esteja consciente destas falhas do Estado e, por uma questão de honra e dever, esteja a fazer chegar à opinião pública elementos concretos e sólidos sobre aquilo que, até aqui, só se sussurrava em surdinas cúmplices. E assim sabe-se o que dizem as escutas e o que dizem as gravações feitas com câmaras ocultas que registam pedidos de subornos colossais. Ficámos a conhecer as estratégias para amordaçar liberdades de informação com dinheiro do Estado. E sabemos tudo isto porque, felizmente, há gente de honra que o dá a conhecer. Por isso, eu confio no Procurador que mandou investigar as conversas de Vara com quem quer que fosse. Fê-lo porque achou que nelas haveria matéria de importância nacional. E há. Confio no Juiz que autorizou as escutas quando detectou indícios de que entre os contactos de Vara havia faces até aqui ocultas com comportamentos intoleráveis. E, infelizmente o digo, confio, sobretudo, em quem com toda a dignidade democrática e grande risco pessoal, tem tomado a difícil decisão de trazer ao conhecimento público indícios de infâmias que, de outro modo, ficariam impunes. A luta que empreenderam, pela rectificação de um sistema que a corrupção e o medo incapacitaram, é muito perigosa. Desejo-lhes boa sorte. Nesta fase, travam a batalha fundamental para a sobrevivência da democracia em Portugal. Têm que continuar a lutar. Até que a oposição cumpra o seu dever e faça cair este governo.
4 comentários:
Nós precisamos de muitas garganta fundas, porque estas coisas são todas proporcionais...
Resta saber se foi Mark Felt, ou alguém muito acima dele (embora através dele e dos dois jornalistas), que foi exposta a marosca de Nixon. De qualquer forma, a bem da verdade, que haja uma pandemia de Felts.
Isto é o cúmulo da desfaçatez. O que Mário Crespo está a defender, explicitamente, é que quem é titular de cargos políticos não tem direitos em sede de investigação penal.
E a defender práticas ilegais por parte de juízes. E a defender fugas de informação para a comunicação social em prejuízo do segredo de justiça.
Toda e qualquer pessoa que defenda o Estado de Direito tem evidentemente que condenar estas afirmações. Eu perante tamanho quadro mental se fosse o responsável pela SIC Notícias afastá-lo-ia imediatamente do écran.
E claro que é ridículo dizer que aquilo que critica é culpa do Governo A, B ou C. Embora isso seja secundário face à gravidade do que defende.
Supondo, apenas supondo, que o Estado português, a exemplo do que se passa em algumas autarquias, estará sujeito a manobras de corrupção concertadas, fazendo lembrar o retrato de corrupção generalizada nas classes do poder que o historiador português Mário Domingues traçava da época portuguesa pré - Filipina que culminou com a aprovação da coroação de Filipe I (II de Espanha)nas Cortes de Tomar, não podemos deixar de apoiar Mário Crespo, não por uma imaginária suprema ética democrática, necessàriamente instrumental, mas pelos superiores interesses da Nação, da Pátria, conceitos que interessa reabilitar para que o dicionário político não seja pertença de uns poucos,estaremos claramente do lado do jornalista Mário Crespo, face aos poderes enormes e tentaculares que todos os Estdos modernos, mesmo corrptos, têm ao seu dispor.
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