segunda-feira, 30 de novembro de 2009

O crime do padre Amaro



CM 29 Novembro 2009 - 09h00

Impressão Digital

A fuga do padre com a sua amada é uma metáfora. Já não consegue ser uma história com a dimensão pecadora.


Tem sido notícia quase diária. Um jovem padre apaixonou-se por uma jovem da sua paróquia. Um amor que julgam eterno, maior do que o juramento de celibato do sacerdote. Maior do que a autoflagelação da continência orgástica, ainda maior do que todos os preconceitos que fazem do jovem padre notícia e sabem a fel na língua de beatas, prosélitas e bruxas comungadas.

O jovem padre teve a coragem de escrever ao seu bispo explicando-lhe o amor que celebrava na relação clandestina com a jovem apaixonada. Não sei em que palavras terá explicado o pretenso pecado ao superior eclesiástico, pois não sei com que palavras é possível explicar a infinitude do amor. E desapareceu sem deixar rasto. Os dois amantes clandestinos do amor, medrosos do medo do preconceito, mas amando-se com a coragem do desprendimento total. Que se saiba, até agora, a Igreja está em silêncio. Constatou a fuga do ex-sacerdote, mandou substituí-lo, e calou se. Um silêncio de respeito, de quem compreende a imponência do amor. Foi inteligente e sábia.

Mas a história, mais pitoresca do que um escândalo, vale pela dimensão afectiva do caso, pela evidência do Portugal velho que Bernardo Santareno tão bem dramatizou, embrulhado em xailes negros e recalcamentos, dominado por medos e iras de morte e de raiva, que ainda persistem, que continuam viçosos e brutais como nos séculos que já nos convencemos de que estão vividos. E não estão.

Permanecem tão vivos, tão presentes, que por vezes é paradoxal falar de um País que está no topo dos países desenvolvidos e, por essa mesma razão estruturalmente culto. Mas não. É apenas um jogo de aparências.

A fuga do padre com a sua amada é uma metáfora. Já não consegue ser uma história com a dimensão pecadora que Eça de Queirós entregou ao seu romance sobre a libido do padre Amaro. Mas ainda está cheia de sentido. Por ser notícia tão noticiada, sinal da nossa reivindicação sobre memórias passadas. Por ser uma corrosão na teoria do celibato sacerdotal. Por ser, sobretudo, uma história de amor clandestino num tempo em que o amor se celebra sem preconceitos, nem mesmo o sexual.

Uma historia sobre a doçura e a dedicação da entrega e, por isso mesmo, nas minhas desorganizadas orações, peço a Deus que o seu ex-padre e a sua amada sejam felizes para sempre. Até que a morte os separe. Ou até que eles queiram.


Francisco Moita Flores, Professor Universitário

1 comentário:

Anónimo disse...

Traições há muitas, são como os chapéus do Vasco Santana, mas a Igreja tem o exemplo do filho pródigo e espera sempre no arrependimento do traidor, com a complacência que lhe é característica.
Já o mesmo não sabemos se poderemos dizer daqueles que gostavam mesmo que a Igreja pegasse no megafone para silenciar as suas próprias traiçõezinhas, muito vis, pouco metáforas, muito oportunistas, muito políticas, não é, caro professor universitário!? Mas fique descansado que julgamos que a Igreja está sempre disposta a ouvi-lo, pois é sua obrigação aceitar confissões de arrependidos.