terça-feira, 24 de novembro de 2009

Uma república das castanhas








Fernando Braga de Matos


Uma das melhores dos momentosos últimos dias foi a declaração de Armando (salto à) Vara à saída do Tribunal onde acabara de ser interrogado no âmbito do "sucatagate": "Nunca pedi dinheiro a ninguém". Então, se não pediu a "ninguém", é porque pediu...


(Onde o autor se insurge contra os que apodam o País como "república das bananas", por manifesta falta de rigor geográfico - propondo "república das castanhas", pois coisa "frutosa" tem que ser, mas à europeia, e temo-las muito boas em Trás-os-Montes. A inspiração vem, mais uma vez, da corrupção e do assalto ao poder).

Uma das melhores dos momentosos últimos dias foi a declaração de Armando (salto à) Vara à saída do Tribunal onde acabara de ser interrogado no âmbito do "sucatagate": "Nunca pedi dinheiro a ninguém". Então, se não pediu a "ninguém", é porque pediu a "alguém", como qualquer intérprete linguista conclui (dizem-me aqui na "Pravda" que podia ter solicitado à mãe, por exemplo, e não havia problemas). Ficamos, pois, na situação do erro de português acoplado a "lapso freudiano"?.

Mas, fora galhofas de péssimo gosto, o que verdadeiramente importa, neste momento, é o conteúdo das conversinhas com Sócrates, escutadas com sanção de um Procurador da República e um juiz de Instrução Criminal, pois a investigação no polvo das "luvas"(1) e favorecimentos nas empresas públicas e semelhantes talvez consiga prosseguir sozinha (a esperança é a última a morrer, dizem).

Apreciei muito o ar de santa ingenuidade e indignação que o atrás referido ostentou, queixando-se da devassa de intimidade num bate-papo com um amigo. Ora, o regime especial de que goza, quanto a escutas, é-o por razão de Estado; se estava numa inócua situação de privacidade, então pretendia ser mais que os restantes portugueses, os "escutáveis"? E se era tema para possíveis oito anos de "choça", configurando crime de atentado contra o estado de direito, os portugueses querem saber antes que tudo seja varrido para debaixo do tapete.

Bem sei que esse resultado de interesse público se consegue através de violações do segredo de justiça e do uso de um meio de prova rigorosamente auxiliar e excepcional e isso é, no mínimo, preocupante, e, no máximo, perigoso.

Mas o facto é que quer a natureza, quer os sistema humanos procuram sempre equilíbrios, mesmo, eventualmente, através de modos caóticos ou quase-caóticos, de modo a alisar as distorções. Por isso o vácuo se esvai, o contrabando e o mercado negro surgem, ou se originam os refugiados e a emigração, por exemplo.

O que cria esta situação de fuga aos desequilíbrios é a "presunção de inocência" se ter convertido para os poderosos em "certeza de inocência" (há alguém preso?) e a incompetência ou má-fé dos legisladores, que, em pequenas ejaculações, apenas originam manchas, e não frutos - numa enorme confusão sem remédio.

Sabe-se, então, que em causa estavam interferências em meios de comunicação social (suplementarmente evidenciando a mentira do PM na Assembleia da República quanto ao afirmado desconhecimento do negócio da aquisição da TVI pela PT).

E sabe-se também alguns efeitos da campanha: o Jornal Nacional de sexta-feira, por Moura Guedes, na TVI, já foi; José Manuel Fernandes, director do "Público", também; flui o dinheiro para os oficiosos "Diário de Notícias" e "Jornal de Notícias" do "amigo Oliveira", graças à abundância de publicidade de origem estatal; a Anacom, entidade reguladora da comunicação social, já tem como novo administrador um ex-chefe de gabinete de Sócrates sem qualquer experiência no assunto, que a vai dirigir; o "Público" podia recorrer ao BCP desde que...
É um autêntico regabofe, com muita "rega" e abundante "bofe"!

Mas, se os portugueses querem saber, o Governo não quer que se saiba e até insulta os magistrados de Aveiro, classificando as legais escutas como "espionagem política"! Fê-lo Santos Silva, embora aqui eu admita que, dado o estatuto de trauliteiro de serviço, apenas contribua inimputavelmente para o arruído e gáudio gerais. Mas fê-lo também Vieira da Silva, ministro muito considerado(2), que, por isso, se devia abster de pronunciar atoardas chocantes e propagandísticas, em desrespeito pela separação de poderes e insulto aos magistrados e investigadores que, competente e sigilosamente, exerciam o seu múnus.

Se a tudo acrescentarmos o endividamento e défices, internos e externos, a demagogia e o abraço fatal às empresas, temos a nossa "república das castanhas" a competir realmente com as autênticas "repúblicas das bananas" populistas, como a Venezuela, a Argentina, a Nicarágua, o Equador e a Bolívia.

Como as coisas têm ido, o pouco prestígio de que gozam os políticos arrasta consigo, no descrédito, as instituições de que são suporte, nas quais já poucos confiam.

Ainda bem que nos encontramos num grande útero protector, o da União Europeia, pois, de outro modo, arriscavamo-nos, futuramente, a ouvir de novo as palavras atribuídas ao general Gomes da Costa, no seu pronunciamento em Braga, em 1926 (reconhecem a data?).
"É preciso acabar com esta m….!".


(1) Já quase me tinha esquecido que a palavra significa, em sentido próprio, uma peça de vestuário. Ainda bem que está a chegar o Inverno.
(2) Outra baixa importante é a do ministro das Finanças, um posto crucial que, desde os períodos eleitorais ao orçamento "distributivo", se vem cobrindo de descrédito.
Até me pergunto: Por que será que as duas grandes figuras angariadas pelos governos socialistas de Guterres e Sócrates, respectivamente Sousa Franco e Campos e Cunha, saíram rapidamente a bater com a porta?


Advogado, autor de "Ganhar em Bolsa" (ed. D. Quixote), "Bolsa para Iniciados" e "Crónicas Politicamente Incorrectas" (ed. Presença). fbmatos1943@gmail.com
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