domingo, 18 de fevereiro de 2007

Vou-vos contar uma história...

Gostava que fosse uma história da carochinha mas infelizmente não é.

É uma coisa bastante séria, que tem a ver com Corrupção, Ladroagem, Cobardia, Comodismo e a falência da Democracia Portuguesa nos últimos 32 anos. Acho que é chegada a altura de começar a chamar de ladrões as pessoas que roubam os bens públicos e enchem os bolsos à custa disso.

A transparência dos processos, o envolvimento dos cidadãos, querermos saber porque é que se tomou uma dada decisão e quem é que beneficiou dela pela administração pública - central, regional, autarquias - acaba por ser a única SAÍDA para o estado actual das coisas. E é por isso que reformar uma organização pública ou mesmo um partido, acaba por incomodar muita gente. Mexe com muitos interesses.

A seguir transcrevo uma reportagem que é histórica, que saiu na revista VISÃO a 25 Agosto 2005. Não perdeu a sua actualidade, dura e triste. É uma pena.


Negócios imobiliários financiam dirigentes, campanhas e partidos

Afastado das listas da coligação PSD-CDS para a Câmara do Porto, Paulo Morais quebra o silêncio, em entrevista à VISÃO. Excepção feita a Rui Rio, o «vice» da actual maioria autárquica deixa pouca coisa de pé. Nos partidos, nas câmaras e no País.

Aos 41 anos, com um curriculum brilhante na área da Matemática, da Estatística e do estudo dos sistemas eleitorais, Paulo Morais deixará a vice-presidência da Câmara do Porto e o pelouro do Urbanismo e vai regressar à Universidade. Na primeira entrevista após o seu polémico afastamento das listas da actual maioria, ele revela pressões e explica a razão pela qual os pelouros do Urbanismo estarão a transformar-se nos «coveiros da democracia» e os partidos «nas casas mortuárias». Nas suas palavras – que, por respeito ao que vem dizendo e escrevendo há muito, não são as de um despeitado – mora a denúncia de um regime podre. Com promiscuidades a olho nu.

VISÃO: Por que é que o PSD-Porto não o quis nas listas? PAULO MORAIS: Terá de perguntar ao partido.

Sentiu-se indesejado? Não houve convergência de vontades.

Mas a sua vontade e a de Rui Rio era outra? Falo por mim. Estava disponível para mais um mandato, face ao que está hoje em jogo na política autárquica e na democracia.

O que é que está em jogo? O Urbanismo é, na maioria das câmaras, a forma mais encapotada e sub-reptícia de transferir bens públicos para a mão de privados. A palavra para isto é «roubo». É a subversão da democracia.

Sentiu-se um empecilho nesse quadro? Um resistente. Tive pressões ilegítimas de todos os níveis: do PSD, de outros partidos, dos mais diversos lados. No imobiliário, as pressões são imensas, mas nunca cedi. Fiz tudo para que, no Porto, neste mandato, a história fosse outra. Os maiores financiadores das campanhas e dos partidos são os promotores imobiliários e os empreiteiros. Para quê? Para ter contrapartidas. O financiamento da carreira política daqueles que tomam decisões ao nível do aparelho de Estado é feito por quem tem interesse directo nas decisões.

Um excelente investimento, portanto? Os partidos assumiram o papel de representantes das corporações que já funcionavam em Portugal no tempo da ditadura. As estruturas corporativas são hoje muito mais fortes porque têm uma aparente legitimidade democrática. Se os vereadores do Urbanismo são os coveiros da democracia, os partidos são as casas mortuárias. Quando as corporações tomam o poder dentro dos partidos e estes se organizam como bandos de assalto ao poder, os dirigentes são marionetas ao serviço dessas corporações.

Mas esta maioria camarária foi eleita no pressuposto de que não era permeável a esse tipo de situações? E não foi, de certeza absoluta. Falo por mim e pelo meu antecessor. Não foram licenciados projectos que estivessem contra os instrumentos de planeamento. E foram reprovados outros que já tinham pedidos de informação prévia favoráveis anteriores a este mandato. Impediram-se algumas aberrações urbanísticas.

O que teme que aconteça no futuro? A minha preocupação é nacional. Temo o agravar da tendência para pôr ao serviço dos privados as políticas públicas de urbanismo. No Porto, defendi até às últimas consequências, como se viu, o interesse colectivo e um programa legitimado pelo povo. Enquanto Rio for presidente e tutelar directa ou indirectamente a área do Urbanismo, não haverá vigarices.

E se não for assim? Ficarei tranquilo se o pelouro ficar na esfera da competência de Rui Rio. Ele é o garante da seriedade.

Sentiu solidariedade de Rui Rio? Sempre. E senti grande apoio popular às políticas que segui.

Não se quebrou nada entre vocês? Estou na vida pública há uns anos e já percorri caminhos comuns com ele. É provável que volte a acontecer.

Quem ganha com a sua saída, então? No plano pessoal, ganho eu. Há apetites que se aguçam com a minha saída. Há quem imagine que o Urbanismo na Câmara será mais permeável.

No PSD, aponta-se a sua distância e pouca disponibilidade para o partido como razões para a saída? Fui o vereador que mais sessões de esclarecimento fez no partido e mais discutiu com os militantes as suas políticas na autarquia. Se alguém pensava que exerceria o lugar de vereador para fazer favores às pessoas do PSD é porque não me conhecia.

Os seus artigos nos jornais, muitas vezes críticos para com os partidos, também não terão caído bem? Sou assim, não mudo. Pena é que, nos partidos ainda haja colunas estalinistas que pretendam cercear o pensamento dos seus membros. O debate de ideias nos partidos é fundamental para que eles sejam cada vez mais democráticos.

Não deve o seu cargo ao partido? Devo lealdade ao presidente, a um programa e à minha consciência. Nada mais. Nos partidos – mais no PS do que no PSD – mandam os novos profissionais da política, gente que nunca fez nada na vida para além da política e a entende como um fim em si mesmo. Nem sequer se preocupam com o interesse do partido, quanto mais com o do povo. Obviamente, esta classe de dirigentes é muito permeável a determinado tipo de pressões. São os que têm a carreira política financiada pelas corporações. A mim, também me tentaram pressionar.

A sua passagem pelo Urbanismo acentuou essas pressões? Os pelouros de Urbanismo das maiores câmaras são o local onde tudo se joga. Fui pressionado por membros do actual e dos anteriores governos, partidos. Pressões de todo o tipo. Nomes e projectos ficam para as minhas memórias. Existem também as tentativas de obter decisões favoráveis via artifícios jurídicos. Isto é, forçar a aprovação de projectos através de formalismos, manobras dilatórias, recursos, etc. Isto só é possível porque a legislação na área do Urbanismo é complexa, hermética e confusa o suficiente para favorecer os mais fortes e quem pode pagar os melhores juristas. A regulamentação jurídica na área do Urbanismo tem origem em duas ou três faculdades de Direito e alguns gabinetes de poderosos advogados. Se o objectivo fosse confundir o sistema, não fariam melhor. Quem elabora essa legislação fá-la propositadamente imperceptível para depois passar a vida a dar pareceres sobre a legislação que fez mal. Ganha quem tem mais meios para se defender e fazer valer as suas intenções e perde o cidadão desinformado e sem recursos. Isto não é democrático.

Dê exemplos do que seria a cidade se não tivesse chumbado alguns projectos? Podia referir dezenas, pois impedimos aberrações urbanísticas que estavam encaminhadas de anteriores executivos, casos até em que a própria autarquia era obrigada a ceder terrenos públicos. Chumbámos o prédio Proeza, do BPI, que seria um mamarracho numa zona de vivendas; o projecto para a Quinta da China, da empresa Mota & Companhia, que visava a construção de outros dois mamarrachos em cima do rio Douro, entre a ponte D. Luís e a ponte do Freixo; um edifício com 13 andares, da empresa Ferreira dos Santos, quase em cima da Praia do Ourigo; um edifício no Parque da Cidade, da empresa Rodrigues Gomes, para o qual recebi pressões e cunhas de dezenas de pessoas, da forma mais ostensiva, incluindo a nível governamental; um edifício do grupo Amorim, na zona de Campanhã. Enfim, talvez possamos ficar por aqui.

Um Urbanismo permeável é meio caminho para todo o tipo de negócios? São os pelouro do Urbanismo que dão as contrapartidas a quem financia as campanhas eleitorais. Os vereadores do Urbanismo que, pelo País fora, aceitam transferir bens públicos para a mão daqueles que dominam de forma corporativa os partidos estão a enriquecer pessoalmente e a destruir a democracia. Nas mais diversas câmaras do País há projectos imobiliários que só podem ter sido aprovados por corruptos ou atrasados mentais.

Ou seja, o Urbanismo é um bom sítio para iniciar investigações sobre financiamento partidário e enriquecimento ilícito? Sem dúvida.

As suas contas bancárias e património estão disponíveis? Verifiquem, se quiserem. Aliás, há pouco dinheiro nas minhas contas bancárias, como sempre. De resto, mandei bloqueá-las para que não possam fazer depósitos, pois fui, a dada altura, avisado por uma pessoa amiga do PS de que isso poderia acontecer. Houve sucessivas tentativas de me descredibilizar. Mexi com interesses poderosos, sem escrúpulos para recorrer a certo tipo de meios.

Como fica o regime com tais métodos? Se continuarmos a baixar o nível de democraticidade dos partidos e eles forem cada vez mais vulneráveis aos interesses corporativos, a democracia estará em perigo. Existe uma preocupante promiscuidade entre diversas forças políticas, dirigentes partidários, famosos escritórios de advogados e certos grupos empresariais.

Como se muda isso? Desde logo, com maior transparência e simplificação de procedimentos ao nível do aparelho de Estado. A Justiça também tem de funcionar, evitando-se que muitos casos morram na gaveta. Os partidos terão também de se reformar.

Não faz distinções entre partidos? Os problemas têm maior incidência nos dois maiores, pois são aqueles que têm sempre mais contrapartidas para dar. O bloco central de interesses é constituído por figuras do PSD e do PS que servem as corporações e utilizam a política para reforçar a sua influência e poder económico. Os partidos estão a alimentar o ovo de serpente que, noutros momentos, originou caudilhismos e ditaduras.

Sai com alívio da Câmara? Pessoalmente, sim. Mas mais preocupado com a saúde da democracia e do PSD. Continuarei vigilante na defesa dos valores em que acredito.

6 comentários:

Consciência Critica disse...

Verticalidade. Dom raro na politica. Só não entendo porque é que depois de uma entrevista destas, o ministério público, não foi mais longe na investigação ao que aqui é dito. Aliás até o próprio, por coerência, deveria ter toda a vontade de colaborar. Sai daqui também outra verdade. É que Rui Rio é o maior!

Anónimo disse...

Fiquei com a mesma dúvida. Porque é que o ministério público não avançou?
Da leitura do artigo os mais distraídos tb podem 'perceber' de onde vem o dinheiro para as campanhas e como é que se ganham 'câmaras'.

E disse...

O ministério público avançou de facto e houve investidas nalgumas dessas empresas (operação furacão) mas num processo ligado a facturas falsas. Pelo que me contaram, houve conecções com políticos nas secções locais do PS, PSD e CDS, mas isso ao que parece vai continuar a ser investigado. Contudo, se é de políticos condenados por corrupção, terão que esperar mais um bocadinho.

Saiu hoje uma reportagem no Público sobre Luís Filipe Menezes e Rui Rio. Este último, é sem dúvida um tipo corajoso ao qual eu me identifico mais. O LFM, mais virado para a megalomania, não me aquece nem arrefece.

A acrescentar, um socialista membro do conselho da administração da EPUL foi acusado pelo Ministério Público de peculato e vai renunciar ao cargo - dentro de 1 mês. É que ainda têm mais uns despachos para tratar! :-0

Isabel Magalhães disse...

Muito interessante a entrevista. Um bom documento para que se percebam muitas coisas.

Enquanto li veio-me sempre à memória o célebre 'cartoon' do Rafael Bordalo Pinheiro, a porquinha e os bacorinhos.

Ontem como hoje, ou talvez pior agora.

Anónimo disse...

Os políticos estão acima da lei e da justiça. A tendência é para haver cada vez mais casos de corrupção, branquamento de capitais e peculato pois os políticos sabem que a justiça não funciona com eles e boys.

Anónimo disse...

Corrupção, intriga, sarcasmo, humor, absurdo, ridículo... para quê dedicarmo-nos a temas como Oeiras ou Lisboa? Já sabemos que não têm solução, mesmo, não é?
Visite o Timor Cartoon, e descubra como as incongruencias de uma pequena ilha a 16.000 km de distancia, tanto podem ter a ver connosco... e com o resto do mundo.
P.S: Timor Cartoon is made in Oeiras