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Tristes ironias
O  ponto final na aventura do TGV não surpreende, pois só irresponsáveis  de pai e mãe podem sustentar que um País pobre e endividado até à medula  ainda se endivide mais para satisfazer megalomanias e eleitoralismos.  Se tivesse havido bom senso, nem Durão Barroso teria dado o pontapé de  saída no projecto, nem Sócrates o teria elevado ao cubo, com a aceitação  tácita do então ministro das Finanças, Teixeira dos Santos, conhecedor  profundo do descalabro das contas públicas nacionais.
A  ironia das coisas é que esse mesmo membro do antigo Governo socialista,  apesar da lástima em que deixou o País, poderá, segundo consta, ser  proposto pela Caixa Geral de Depósitos para administrador não executivo  da PT. A acontecer, a sua nomeação apenas vai acentuar nos cidadãos a  noção de que, na política portuguesa, há um bloco que protege os que o  integram, independentemente da cor partidária que traz agarrada. Mais:  fortalecerá a convicção de que há uma rede de interesses na esfera do  Estado que subsiste e que, apesar da diminuição da presença pública em  grandes empresas, elas ainda continuam a ser instrumentos activos nos  jogos de Poder, expondo-se a situações, no mínimo, discutíveis.
Não  sou dos que põem em causa a honestidade de propósitos de Passos Coelho,  mas a verdade é que do seu Executivo se esperaria actuação mais clara  em várias frentes e mais determinada no esforço de transformação do  País. A energia que coloca na adopção de medidas de austeridade deveria  ser a mesma, por exemplo, a aplicar na mudança da organização  administrativa nacional. Portugal tem municípios em excesso, mas, em vez  de se avançar para supressões e fusões, cede-se aos interesses  instalados nas câmaras (que criaram um "insignificante" buraco de 12 mil  milhões), atacando-se apenas os elos mais fracos, ou seja, as juntas de  freguesia, por sinal, as entidades que mais próximas dos cidadãos se  encontram. Os barões regionais e locais que infestam os partidos  adquiriram um peso incomensurável e teceram uma poderosa rede de  influências que manieta qualquer intenção reformadora e verga quem  manda.
É pena que se vá perigosamente acentuando  nos cidadãos a ideia de que as diferenças partidárias se resumem a  formas distintas de fazer a gestão das carências gerais, apenas com  nuances no rigor a empregar, mas sempre à custa dos direitos, regalias e  dinheiro das populações. A expectativa de que à mudança de Poder não  corresponda só uma simples dança de cadeiras esfuma-se progressivamente.  Não é saudável para a democracia (que, com todos os defeitos que  porventura incorpore, é o melhor sistema que se pode ter), mas, acima de  tudo, não é bom para os partidos, que são os seus principais  intérpretes.
O PSD dispõe agora, no seu congresso, de uma oportunidade para arrepiar caminho. É uma questão de vontade e de coragem.
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