terça-feira, 31 de março de 2009

Universos paralelos


CM - 31 Março 2009 - 09h00

Causas e consequências

Universos paralelos

Em plena crise económica, o ‘Diário de Notícias’ decidiu acompanhar o dr. Manuel Pinho num "périplo de quatro dias" por mais de 15 fábricas no Norte do País. O resultado foi, no mínimo, inesperado: nas páginas do jornal, o "périplo" transformou-se miraculosamente numa grandiosa epopeia, ao longo da qual o ministro, esse herói improvável, "distribuiu beijinhos, cumprimentou trabalhadores e nunca deixou de ouvir os pedidos dos empresários". O que, só por si, revela a eficácia de uma política que ignora olimpicamente um país reles e atrasado, onde as falências crescem, o desemprego aumenta, as exportações baixam e a competitividade das empresas é uma miragem cada vez mais distante.



O país do dr. Manuel Pinho, que o ‘DN’ revela, é outro: um local afectivo, onde os trabalhadores, de lágrimas nos olhos, lhe agradecem o apoio dado ao patrão, onde os funcionários de uma tintureira o esperam entusiasticamente à porta da empresa que ele fez o favor de salvar da bancarrota e onde, até mesmo, um responsável da CGTP (instrumentalizado, como se sabe, pela estratégia dogmática e irresponsável do PCP) lhe dá os parabéns pelo apoio dado ao sector da cortiça.

Isto para não falar do reconhecimento anónimo que espontaneamente se gerou à sua volta, como regista o jornal: "Ele apontou aquilo que eu disse", dizia uma senhora que falou com Pinho, espantada pela abertura que o ministro demonstrou. A natureza do problema não chega a ser esmiuçada até porque este caso serve apenas de intróito ao que vem a seguir: "A situação repetiu-se ao longo dos dias com muitas outras pessoas que quiseram dar uma palavra de apoio, fazer um comentário ou alertar Pinho para algumas dificuldades que se sentem na indústria".

Contrapondo a "atitude rezingona" da Oposição ao "arregaçar as mangas" de que ele dá provas, o dr. Pinho não deixa de estabelecer uma diferença fundamental: entre os que apresentam "propostas muito teóricas" (os rezingões) e os que se caracterizam por oferecer "soluções concretas" (os que arregaçam as mangas). Ele obviamente está entre os que arregaçam as mangas e não perdem tempo a pensar porque sabem que a "teoria" sempre foi um sério obstáculo ao desenvolvimento nacional. Ele é um ministro do engº Sócrates, expoente máximo de uma esquerda pragmática que não se deixa tentar pelas incertezas da reflexão. Não por acaso, o dr. Pinho tem a certeza de que se as eleições fossem "lá em cima", no mundo criado pelo ‘Diário de Notícias’, nem era preciso fazê-las: "Esta gente votava dez vezes em mim". De mangas arregaçadas, presume-se. E de costas voltadas para a mais elementar teoria.

Constança Cunha e Sá, Jornalista

1 comentário:

Oeiras disse...

Gostaria de ler a opinião desta senhora, que até parece "tiazoca" da direita balofa de Cascais, sobre a adesão de Portugal à CE: é contra, é a favor?

É que se é contra, então deveria falar de Portugal assumir a rotura com a CE e pagar de volta os biliões que recebeu; se é a favor, deveria saber que o estado da economia, o desemprego e o fecho de empresas se deve muito mais aos senhores de Bruxelas do que aos governantes dos Estados-Membros, que pouco podem realmente fazer quando uma empresa decide fechar portas.

Se falarmos em sancionar fortemente as empresas que fecham após terem recebido milhões do Estado para se modernizarem, então aí sim, sou até de opinião que o Estado devia ter mecanismos de tomar posse administrativa da empresa toda, maquinaria, terrenos e tudo.

Infelizmente, parece que as directivas da CE também não deixam os Estados-Membros fazer isto...