domingo, 21 de outubro de 2007

in illo tempore

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Já aqui disse que Oeiras foi durante muito tempo, e antes do obsceno assédio do betão e da febre urbanizadora, um pequeno, pequenino mesmo, povoado de ar saloio, rural e rústico.
Essencialmente uma terra que vivia da agricultura, na medida em que era quase exclusivamente ocupada por quintas. Dessa época remota ficou-nos alguma toponímia que sobreviveu à passagem do tempo. Assim, temos por todo o lado urbanizações que herdaram o nome das antigas quintas onde foram edificadas. Apenas alguns exemplos: O Bairro da Medrosa, na antiga Quinta da Medrosa, a urbanização da Figueirinha na Quinta da Figueirinha, a urbanização Quinta do Marquês na Quinta do Marquês, a urbanização Quinta das Palmeiras na Quinta das Palmeiras, e muitas outras.

Quando passeamos descuidadamente por Oeiras, pelas suas vias mais importantes, poderemos ser levados a pensar que, excluindo esta herança onomástica, nada mais resistiu ao tempo pois, afinal, à nossa volta apenas vemos prédios e mais prédios, ruas e mais ruas.

Contudo, como já aqui referi num artigo a que por graça dei o título de "Oh mãe, está ali uma vaca..." e que pode ser lido AQUI, se passearmos por Oeiras a pé, que de carro nada se vê dada a velocidade, e se nos embrenharmos pelos meandros das urbanizações - sem medo; ao longo de 37 anos de vida em Oeiras nunca me deparei com animais selvagens (que não fossem humanos...), e Oeiras é um concelho onde, felizmente, se pode circular em liberdade - se nos embrenharmos dizia, pelo meio dos edifícios, por trás das urbanizações, e subirmos a alguns morros, podemos ter algumas surpresas e literalmente entrar na 'máquina do tempo' de Wells.

Foi com um misto de estranheza e surpresa, direi mesmo assombro, que ontem me deparei com o quadro que apresento na fotografia abaixo.
Eu tinha ido à Biblioteca Municipal de Oeiras, na Urbanização Moinho das Antas, e como estava perto decidi ir fotografar o Moinho das Antas. Para aqueles que não o sabem, a sua importância advém, entre outras coisas como o facto de ter servido de referência visual para os mareantes do passado que demandavam a embocadura do Tejo, de em torno dele ter sido edificado um importante Reduto que fez parte das Linhas de Torres.
Destas Linhas quase nada existe. E naquele lugar, do Reduto, sobrou o velho moinho e uma estrada empedrada que, entrincheirada, fazia a ligação à praia de Santo Amaro, próximo ao Forte de São João das Maias.

Seja como for, vindo da Biblioteca, ia eu a subir, a transpirar sob o calor tórrido que se fazia sentir, pelo morro acima em direcção ao Moinho, quando me deparei com este quadro que me fez estacar:



Senti-me como se tivesse recuado no tempo. Talvez ao tempo do Marquês, quem sabe? Elas ali estavam, verdes e pujantes, na sua força anímica. Sobreviventes duma época espúria que ameaça destruí-las. Quem ?

AS COUVES!!

Sim, as Couves. Se portuguesas e saborosas, rijinhas q.b., não sei, que não as provei - só as provo no nosso belo Cozido À Portuguesa, e isto apenas quando alguém de família se digna convida-me para tal repasto.
Parei, é claro. Parei para apreciar e fotografar. Fotografar este vestígio de um passado remoto que se oculta no nevoeiro do tempo.

Certamente, há bem poucos anos, Oeiras teria um pouco por toda a parte, pequenas hortas que expunham exemplares como estes. Talvez melhores e mais saborosos...
Hoje em dia, deparar com uma plantação de Couves.... em Oeiras... parece no mínimo irreal. Mas bonito.

imagem: 20 Outubro 2007, 14,57; © josé antónio / comunicação visual - CLIQUE PARA AMPLIAR

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3 comentários:

Isabel Magalhães disse...

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Excelente.

Obrigada.

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I.


post scriptum - Lembrei-me das hortas da beira de auto-estrada; quando o dinheiro não abunda é uma forma de compor a panela.

Unknown disse...

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EHEH

... quando o dinheiro não abunda é uma forma de compor a panela.

Tenho a impressão que deve ser o caso.
Excluindo uma área que não se vê na imagem e que estava por trás de mim, a qual está cercada por uma rede, esta não tinha nada a limitá-la.
Dá a impressão que o terreno é baldio. Será ?!

Que me apetece plantar uma horta na varanda, para ter uns vegetais para 'compor o prato', lá isso apetece... :)

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Anónimo disse...

Tive um velho amigo, que já não está entre nós, e que morou num r/c,no bairro de Alvalade. Nas trazeiras da sua casa tinha um poucochinho de terra onde cultivava uma horta que era o seu orgulho. Até um pé de vinha lá plantou! Tudo era tratado por ele e, diariamente, esses "mimos" surgiam na mesa.Estas couves da foto trouxeram-me muitas saudades deste amigo...