segunda-feira, 27 de abril de 2009

Os bons e os maus

Opinião






JN 10h29m
Já há mais jornalistas a contas com a justiça por causa do Freeport do que houve acusados por causa da queda da ponte de Entre-os-Rios. Isto diz muito sobre a escala de valores de quem nos governa.

Chegar aos 35 anos do 25 de Abril com nove jornalistas processados por notícias ou comentários com que o Chefe do Governo não concorda é um péssimo sinal. O Primeiro-ministro chegou ao absurdo de tentar processar um operador de câmara mostrando que, mais do que tudo, o objectivo deste frenesim litigante é intimidar todos os que trabalham na comunicação social independentemente das suas funções, para que não toquem na matéria proibida. Mas pode haver indícios ainda piores. Se os processos contra jornalistas avançarem mais depressa do que as investigações do Freeport, a mensagem será muito clara. O Estado dá o sinal de que a suspeita de haver membros de um governo passíveis de serem corrompidos tem menos importância do que questões de forma referentes a notícias sobre graves indícios de corrupção. Se isso acontecer é a prova de que o Estado, através do governo, foi capturado por uma filosofia ditatorial com métodos de condicionamento da opinião pública mais eficazes do que a censura no Estado Novo porque actua sob um disfarce de respeito pelas liberdades essenciais. Não havendo legislação censória está a tentar estabelecer-se uma clara distinção entre "bons" e "maus" órgãos de informação com advertências de que os "maus" serão punidos com inclemência. O Primeiro-ministro, nas declarações que transmitiu na TV do Estado, fez isso clara e repetidamente. Pródigo em elogios ad hominem a quem não o critica, crucifica quem transmite notícias que lhe são adversas. Estabeleceu, por exemplo, a diferença entre "bons jornalistas", os que ignoram o Freeport, e os "maus jornalistas" ou mesmo apenas só "os maus", os que o têm noticiado. Porque esses "maus" não são sequer jornalistas disse, quando num exercício de absurdo negou ter processado jornalistas e estar a litigar apenas contra os obreiros dos produtos informativos "travestidos" que o estavam a difamar. E foi num crescendo ameaçador que, na TV do Estado, o Chefe do Governo admoestou urbi et orbi que, por mais gritantes que sejam as dúvidas que persistem, colocar-lhe questões sobre o Freeport é "insultuoso", rematando com um ameaçador "Não é assim que me vencem". Portanto, não estamos face a um processo de apuramento de verdade. Estamos face a um combate entre noticiadores e noticiado, com o noticiado arvorando as armas e o poder que julga ter, a vaticinar uma derrota humilhante e sofrida aos noticiadores. Há um elemento que equivale a uma admissão de culpa do Primeiro-Ministro nas tentativas manipulatórias e de condicionamento brutal da opinião pública: a saída extemporânea de Fernanda Câncio de um painel fixo de debate na TVI sobre a actualidade nacional onde o Freeport tem sido discutido com saudável desassombro, apregoa a intolerância ao contraditório.

Assim, com uma intensa e pouco frequente combinação de arrogância, inabilidade e impreparação, com uma chuva de processos, o Primeiro Ministro do décimo sétimo governo constitucional fica indelevelmente colado à imagem da censura em Portugal, 35 anos depois de ela ter sido abolida no 25 de Abril.

8 comentários:

Unknown disse...

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E assim Mário Crespo demonstra o tolo que é (será?).
Tolo ou cego, porque só agora, 35 anos depois, é que se apercebe das pressões, perseguições e processos a jornalistas e orgãos de comunicação, que aos longo destas décadas quase todos, repito quase TODOS, os governos fizeram.
Este Crespo é um cretino de primeira.

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Unknown disse...

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Mais uma acha para a fogueira, ou achega, aqui, no 24 Horas. Esclarecedor.

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meninaidalina disse...

Não me parece que o Mário Crespo seja tolo. Em bom rigor, só o sr. Sócrates é que decidiu por processo judiciais a 9 jornalistas e inclusivé ao operador de câmara de uma estação televisiva.
O Frepport é noticia e se em todos os governos há pressões temos de reconhecer que neste, a situação tornou-se absolutamente inadmissível. Deixou de ser pressão para ser condicionante e intimidante.

Aconselho-o a ler com atenção o artigo do Mário Crespo, porque de cretino ele não tem nada ....

Isabel Magalhães disse...

Podemos gostar ou não do Mário Crespo mas temos a obrigação de ler os artigos com objectividade e a mim não me parece mesmo nada que ele seja cretino. Antes pelo contrário!

Mas o que está em causa no artigo que ele assina é o número de processos que este PM tem movido a jornalistas e não só. Ao António Balbino Caldeira do blog 'Do Portugal Profundo' que lhe questionou o título de engenheiro - sem a respectiva inscrição na O.E. - e mais aquelas conhecidas 'confusões' conexas, parece que moveu dois processos; um em nome de José S. P. de S. e outro em nome de SExa o PM de Portugal.

Depois, um período assim ditatorial, estou a lembrar-me de quando o José Saramago foi Director-adjunto do Diário de Notícias (Abril/Novembro 1975) e bateu o record do despedimento dos jornalistas que não estavam de acordo com as 'amplas liberdades' que defendia (embora, obviamente, esse não fosse governo).

Unknown disse...

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Cara(o) Anunciação,

Grato pelo (desnecessário) conselho, que dispenso.
Não preciso de ler com maior atenção a coluna de opinião, do que fiz quando a li assim que aqui cheguei.

Se concordo que com este governo a situação atingiu limites insustentáveis e inadmissíveis, a configurar 'censura', a verdade é que ela (situação) não nasceu do zero ou do vácuo. Já vem de trás. Há uma 'tradição'.

Agora é a minha vez de lhe dar a si um conselho: Fale com jornalistas (de qualquer cor ou tendência) e averigue quantos, desde 25 Abril 74, foram alvo de processos por parte de membros de governos.

O M.C. só atira bitaites quando lhe convém. E nesta altura convém-lhe ser anti-Sócrates...

Passei décadas a trabalhar em jornais e revistas (Diário Popular, Diário, Fim de Semana, Correio da Manhã, Espaços, Eco Regional; só para citar alguns), não vejo 'de fora'. Conheço muitos orgãos de informação e jornalistas e vejo a situação 'por dentro'.

Informe-se.

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Anónimo disse...

O Zaramago não era governo mas recebia ordens de Moscovo e Moscovo era quem mandava no governo. Era no tempo em que queriam fazer de Portugal a Cuba da Europa.

Anónimo disse...

Mario Crespo tenta misturar jornalismo com processos de intenção e difamação.
Se a cada um que concorda com ele, estivesse na mesma situação de Socrates, será que tinha a mesma opinião de Crespo?
Os jornalistas são uns santinhos, não são? Quem lhes pada os ordenados?
Muitos e muitos, não serão a voz do dono?

Isabel Magalhães disse...

"Mario Crespo tenta misturar jornalismo com processos de intenção e difamação."

Expliquem-me lá melhor...

Então quando um jornalista escreve sobre, digamos, o estado do tempo, está a misturar jornalismo com meteorologia?