terça-feira, 21 de abril de 2009

A Igreja e a crise

Opinião





JN - 2009-04-19
A semana que passou não deixou grandes saudades. O retrato que o Banco de Portugal traçou dos efeitos da crise em Portugal deixa-nos mergulhados na certeza, aliás admitida por Vítor Constâncio, de que só sairemos do buraco pela mão da Europa e dos EUA, isto é, a nossa economia só arrancará quando a dos nossos parceiros já tiver algum lastro. Já se suspeitava. O relatório provocou as reacções habituais: confiança do Governo nas soluções que vai propondo e um pessimismo profundo da oposição. Profundo e, quase diria, alegre, porque esse pessimismo renderá votos nas próximas eleições.

É por isso que talvez valha a pena olhar para quem faz caminho sem olhar a votos. As redes sociais que pelo país todo vão lutando contra a crise e sendo o apoio mais firme aos que de repente se encontram sem emprego e sem apoios familiares consistentes deram esta semana, pela voz da Igreja, um sinal de contraste, um sinal positivo, um sinal de que, actuando em rede, é possível encontrar soluções. O exemplo veio de uma paróquia - a Serafina, em Lisboa - mas tem condição para alastrar e nisso se vai empenhar a própria Igreja. A Igreja, note-se, tem destas contradições e muitas vezes vem ao de cima o peso da sua acção social experimentada, assente em padres e em leigos que não vivem de costas para os fiéis e não rezam missa em Latim como certamente gostaria o cardeal Ratzinger, agora Papa, mas que fazem o seu dia-a-dia em comunhão com os que realmente sofrem, ao seu lado ou estudando soluções que lhes possam minorar os efeitos da crise.

A hierarquia da Igreja Portuguesa tem hoje, felizmente, gente de grande gabarito intelectual que saberá deixá-la longe da disputa eleitoral e inteiramente ao serviço dos que já são pobres ou vão empobrecer por causa da crise. Não vale a pena negar a evidência de que o Estado precisa da Igreja ao seu lado para este combate. Mais do que isso: sem a Igreja, como sem a participação de um sem número de organizações laicas habitualmente muito empenhadas, esse combate terá mais dificuldade em ser eficaz.

É bom que todos vamos tomando consciência de que estas redes podem ser o lado mais firme do combate à crise. Pelo andar da carruagem política, poderemos caminhar para uma solução sem maioria e sem consensos onde o mais natural é que ao desagregado PSD se junte depois um PS ferido, confuso e à procura de quem o conduza de novo ao poder. Numa situação de indefinição política prolongada e sem a crise estar afastada, são estas organizações, a Igreja com o seu peso e todas as outras também com a sua experiência, que sustentarão no terreno os que, vivendo fora das tricas políticas, viverão bem por dentro os efeitos da crise.

Sem comentários: