sexta-feira, 22 de janeiro de 2010

Manuel Alegre, capítulo dois

Opinião








Ontem


Todos fingiram surpresa quando Manuel Alegre anunciou a intenção de voltar a candidatar-se a Belém. Como se o homem, fiel a uma estratégia tão previsível que até irrita, não tivesse já emitido mil e um sinais de que era essa a sua vontade.

A candidatura é "irreversível", diz-se. Não se entende como poderia ser reversível. Em política, ninguém põe o dedo no ar - muito menos Alegre! - para mais tarde argumentar que o fez por sofrer de problemas de articulações. Articulações - ora aí está a palavra adequada. Como vai ele articular a candidatura com a sua putativa base de apoio, se ao anunciá-la o que fez foi condicionar o partido em que milita?

Sabia de antemão que seria esse o efeito, dir-se-á. E que é precisamente o que lhe convém, porque resultou em 2006. É esquecer que, desta vez, Manuel Alegre não quer apenas a "vitória moral" de superar o candidato oficial do PS; ambiciona mesmo suceder a Cavaco Silva. Ora esse objectivo só pode ser alcançado se a candidatura ganhar em transversalidade o que perder em "acantonamento". Dito de outra forma: é pouco provável que consiga ser eleito, se se apresentar como "ponta-de-lança" da "verdadeira" Esquerda (nisso, António Vitorino tem razão).

O alargamento do campo eleitoral num sentido, digamos assim, mais "abrangente" não se compagina com o perfil político que Alegre tem vindo a fabricar, nos últimos anos. Muito menos com o apressado apoio do Bloco de Esquerda, inebriado pela oportunidade de ouro de "entalar" o PS. Um apoio tão apressado que pode converter-se em teste à unidade de um partido com múltiplas raízes. Não é um dado adquirido que, no interior do Bloco, o nome de Alegre seja consensual.

Em jeito de desafio aos comunistas para que engulam de novo um sapo - como em 1986, quando acabaram a votar no "odiado" Mário Soares -, Alegre lembrou que "nunca a Esquerda perdeu umas eleições presidenciais por causa do PCP". Salta à vista que empreende uma estratégia "de fora para dentro", privilegiando a multiplicação de apoios externos para forçar quem decide (Sócrates, claro) a carimbar-lhe o passaporte.

A ver vamos se o consegue. E se obtém novos apoios no interior do partido, porque os que até agora recolheu valem o que valem. Valem desconforto à direcção que, sem carta alternativa para jogar, se limita a dizer o óbvio: que a seu tempo tratará do dossiê presidenciais.

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