Publicado em 13 de Janeiro de 2010
Tenho um único hobby na vida, discutir o serviço público de televisão com o António Pedro Vasconcelos. No último fim-de-semana, não falhámos. Durante horas, debaixo da sombra tutelar de um amigo que morreu há já cinco anos, continuámos a conversa sobre as vantagens e desvantagens das televisões públicas e privadas. Educada pela BBC, sempre defendi o serviço público, ou antes, o que existia em Inglaterra durante os anos 1960 e 1970. Com a passagem do tempo, a minha posição (não a dele) foi-se alterando, ou melhor, alternando ao sabor das programações.
No ano passado, deixei pura e simplesmente de ligar a televisão, dedicando o tempo livre, a consumir DVD produzidos pelo canal americano HBO. Depois de, em 1974, ter esperado que a televisão contribuísse para melhorar o meu país, tendo até aceite o convite do Vasco Pulido Valente, para fazer um documentário, "Nados e Criados Desiguais", e de, mais tarde, ter dedicado mais de dois anos da minha vida a escrever, para "O Jornal" e para "O Independente", crítica de televisão, considerei o meu esforço inútil. Arrumei o aparelho a um canto e nunca mais o abri, com uma excepção, o programa dominical de Marcelo Rebelo de Sousa, de que sou uma telespectadora fanática. Desde há cinco anos que eu, que jamais deglutira uma refeição diante de um aparelho de televisão, janto um croissant acompanhado a vodka, enquanto ouço as suas "escolhas" dominicais. Nunca falhei, nem sequer quando incompreensivelmente o futebol alterou o seu horário.
Marcelo é um génio, um dos poucos de que a nação se pode gabar, até porque consegue conciliar, numa só pessoa, as três funções que Lord Reith atribuiu, ao criá-la, à BBC: educar, informar e entreter. Alguns dos meus amigos, imagino que por ciúmes, tentaram, em inúmeras ocasiões, convencer-me de ser ele um homem irresponsável, traidor, maldoso, cruel, pernicioso, sinistro, masoquista, covarde, egocêntrico, sádico e infantil. Nada disto me influenciou. Gosto de o ouvir, ponto, parágrafo.
Não é a altura para aprofundar o que se está a passar, até porque ainda não sabemos o desfecho. Mas já podemos perceber que se trata de uma vingança do eng. Sócrates, o qual terá arranjado, dentro do PSD, uma fila de aliados.
Marcelo não é amado dentro do seu partido, o que só lhe fica bem. Isto não me espanta, o que o faz é a passividade de um povo que aceita que uma instituição tão idiota quanto a Entidade Reguladora para a Comunicação Social - a ERC - meta o bedelho, a coberto de regras absurdas, no quotidiano televisivo. Lá porque o dr. António Vitorino decidiu ir ganhar dinheiro para um famoso escritório de advogados - o seu direito - temos de ficar privados de ouvir, ao domingo, o prof. doutor Marcelo Rebelo de Sousa? O facto é tanto mais escandaloso quanto o seu programa é um sucesso de audiências.
Por que motivo a direcção da RTP não dá um coice nas quotas que a ERC criou? Se a RTP cancelar o programa do Marcelo, apelo à desobediência civil, sugerindo aos meus conterrâneos que deixem de pagar a licença que permite à instituição subsistir. O que está em risco - não tenham dúvidas - é a liberdade de expressão. Se posso escrever este artigo é porque sei que o governo não me pode tocar com um dedo e, mesmo que pudesse, digo-o sem vaidade, publicá-lo-ia na mesma. Porque não tenho alma de escrava.
Se a RTP quer ter, à força, um Marcelo de esquerda, que o arranje. Dirão que a esquerda não tem alguém com o calibre de Marcelo. Mas será que, da esquerda, desapareceram as cabeças pensantes? Como se imagina, não é nada disto que sucede. Depois da TVI ter feito o mesmo, o que, forçada pela ERC, a RTP deseja é libertar-se de uma voz incómoda. Se, após ter varrido as despensas do PS, a RTP não conseguir encontrar ninguém, ofereço-me para lhe resolver o problema. Uma coisa é certa: o Marcelo Rebelo de Sousa tem de ficar.
Socióloga e investigadora do Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa
Sem comentários:
Enviar um comentário