Loteamento da Fundição de Oeiras nas mãos dos militares
19.08.2008, José António Cerejo
A urbanização dos terrenos da antiga fábrica está a ser alvo de intensa contestação. O Ministério da Defesa está entre os seus adversários
A concretização do megaprojecto que a Câmara de Oeiras quer aprovar nos oito hectares da antiga Fundição de Oeiras depende, em grande parte, do desfecho do contencioso aberto entre o município e o Ministério da Defesa acerca da volumetria do empreendimento. Para lá da oposição dos militares, o pedido de loteamento, que se encontra em discussão pública até ao fim do mês, está a defrontar-se com uma invulgar oposição por parte de munícipes e movimentos de cidadãos (ver outro texto).
Consultado sobre o projecto em Fevereiro deste ano, o Ministério da Defesa - tal como a Refer e o Instituto da Água - não respondeu até ao fim de Maio. Nessa altura, o presidente da câmara, Isaltino Morais, invocou um preceito legal que faz equivaler a ausência de resposta no prazo de 20 dias a uma resposta favorável, e deu a sua aprovação de princípio ao processo, remetendo-o para discussão pública. A votação final pelo executivo camarário ficou assim a aguardar, apenas, pelo fim da consulta pública.
Mas a sete de Julho, cinco dias antes do termo do prazo inicial da discussão pública, a posição dos militares chegou a Oeiras sob a forma de um curto despacho do tenente-generalquartel-mestre general: "O Exército não dá parecer favorável." O parecer sobre o qual foi aposto o veto do quartel-mestre general explica que a antiga fundição se situa na zona de servidão militar do Quartel da Medrosa e que a construção de edifícios com mais de seis pisos (a maior parte dos previstos teria dez e dois deles 25 pisos) "pode vir a afectar significativamente as medidas de segurança indispensáveis às funções que competem ao Quartel da Medrosa".
O documento informa que a Câmara tem oito dias para recorrer do despacho para o ministro da Defesa e acrescenta que o projecto "pode vir a ser objecto de eventual autorização", se for redesenhado "de modo a ter um máximo de seis pisos".
Passados 15 dias, Isaltino Morais deu a conhecer ao Ministério da Defesa a estratégia da câmara. A informação remetida a 22 de Julho com a aprovação do autarca defende que, ao contrário do que diz o despacho do quartel-mestre general, "houve concordância" do Ministério da Defesa, na medida em que o parecer não foi recebido no prazo de 20 dias.
Ou seja, a câmara acha que a Defesa concordou com o projecto - apesar de o Exército dizer expressamente que "dá parecer desfavorável" - por não ter respondido em tempo. Não é este, porém, o entendimento do Exército, cujo porta-voz, o tenente-coronel Helder Perdigão, afirmou ao PÚBLICO, por escrito, que os diplomas legais aplicáveis "não prevêem qualquer prazo para as entidades militares proferirem decisão no âmbito do licenciamento de obras em áreas sujeitas a servidão militar".
A resposta da câmara ao Ministério da Defesa vai todavia mais longe: "Perante a previsão de alienação do imóvel em causa [Quartel da Medrosa], ainda que não tenha sido publicado o respectivo decreto-lei, questiona-se a pertinência do parecer emitido e restrições apontadas." Isto porque a 11 de Julho, portanto depois do chumbo do projecto, foi aprovada em São Bento a Lei de Programação de Infra-estruturas Militares, que aguarda promulgação presidencial, e que tem um anexo onde, segundo a câmara, e entre muitos outros, o Quartel da Medrosa consta como um imóvel futuramente alienável.
O estabelecimento militar em causa situa-se a poucas centenas de metros da antiga fundição, perto da Estação de Oeiras, e alberga desde 2000 o Comando Operacional do Exército. Do ponto de vista legal, o despacho do quartel-mestre general só pode ser revogado mediante uma decisão do ministro da Defesa, em sede de recurso hierárquico, ou através da sua impugnação judicial.
O ministro da Defesa, Severiano Teixeira, terá de decidir se aceita torres de 25 pisos onde os militares só querem seis.
LOCAL LISBOA
19.08.2008
Teresa Zambujo quis reduzir a densidade
A elevada densidade de construção pretendida pelos promotores e apoiada por Isaltino Morais é um dos pomos de discórdia deste projecto. Prevê-se a edificação de cerca de 155.000m2 de habitação, comércio e serviços num total de 82.000m2 de terreno, o que corresponde a um índice de 1,84. De acordo com os críticos do projecto, este índice mais do que triplica os 0,48 previstos no Plano Director Municipal.
Os pareceres constantes do processo não permite vislumbrar o fundamento desta divergência, embora uma nota de rodapé de um deles refira, sem qualquer quantificação inteligível, que a existência de um hotel no empreendimento autoriza um índice superior ao de base.
O historial do processo, iniciado em 2002, antes de Isaltino ter deixado a câmara para ocupar transitoriamente o lugar de ministro do Ambiente, mostra, contudo, que os serviços camarários sempre admitiram um índice muito superior a 0,48, ao mesmo tempo que encaravam a sua redução para baixo de 1,5. Isso mesmo se depreende de um documento onde os serviços sintetizam uma reunião realizada em Dezembro de 2004 no gabinete de Teresa Zambujo, então presidente da câmara. "Relativamente ao potencial construtivo absoluto proposto, tendo por referência as anteriores recomendações da câmara ('... 1,5 sempre dependendo da qualidade do projecto'), podemos ser levados a concluir pela eventual necessidade de uma revisão do projecto em baixa", lê-se no memorando. Nessa altura, o dono dos terrenos era ainda o construtor civil José da Conceição Guilherme, o homem que, poucos anos antes, os tinha adquirido após o encerramento da fundição. Na reunião com Teresa Zambujo, efectuada quando Isaltino já se tinha demitido de ministro por causa das suspeitas de corrupção que o envolviam, esteve presente José Guilherme, bem como José Manuel de Sousa, presidente da empresa do Grupo Espírito Santo que gere o Invesfundo, o fundo de investimento fechado, com donos desconhecidos, que depois adquiriu os terrenos.
Com Isaltino de volta à câmara em 2005, o índice de construção não só não foi revisto em baixa como subiu para 1,84, sem invocação de especial qualidade arquitectónica. José Guilherme é um dos maiores e mais influentes construtores civis da região de Lisboa e foi alvo, em Outubro de 2004, de buscas por parte da Polícia Judiciária no quadro de investigações de suspeitas de corrupção em várias câmaras municipais. J.A.C.
5 comentários:
Bom dia,
todo o mundo fala e manda "bitaites",
poderão alguns terem sentido mas bolas, dêem também uma alternativa no que se possa ali fazer, já que assim também não deve continuar.
Pessoalmente penso que se deveria fazer um Museu com espólio da Fundição (Será que há?), um centro de congressos com uma envolvente de Empresas I&D.
Os militares que vão para Tancos, pois ali não fazem rigorosamente nada, para se construír um pólo Hospitalar co-financiado por empresas científicas ligadas ao ramo, onde ficariam instaladas.
Oeiras bem precisa!
Abraço
BP
Realmente assim abandonado não deve estar nem ficar. VOTO num museu não só da sua história/ actividade mas também alargado a outras actividades da história do Municipio. Apadrinho o Centro de congressos muito ajudado pelo combóio mesmo ali, mas não densifiquem a zona, não a atravanquem, mantenham a estrutura, a volumetria sem arranha céus. E se aproveitassem algum espaço para uma residência escolar? Claro que não daria milhões a certos interesses mas lá que era giro...
Maria do Céu
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Caro BP e Maria do Céu,
Ideias, alternativas, opções as mais diversas, é coisa que não tem faltado aqui, desde que o Oeiras Local abriu as 'hostilidades' sobre este tema, faz já algum tempo.
Falta-me é tempo, e pachorra confesso, para ir procurar os links todos, mas um clique sobre a etiqueta Fundição ou, melhor ainda, uma busca por "fundição" no campo de pesquisa no topo do blog, poderá expor tudo o que sobre o assunto aqui se escreveu.
Recomendo sobretudo, além dos artigos, a leitura dos comentários.
Pela minha parte avancei algumas vezes a ideia de que a zona próxima da estação, onde estão os azulejos na parede curva, que actualmente tem as oficinas da CP, e tem cerca de 1 ha. (que corresponde à fundição primitiva antes do crescimento promovido no pós-guerra pelo seu proprietário, Cardoso, que a comprou nessa altura), a entrada principal e pátio, o edifício administrativo (com bela azulejaria), tudo isto deveria ser reabilitado e utilizado para a instalação dum Museu da Indústria em Oeiras (não só da fundição, existiram muitas outras fábricas e indústrias, como por exemplo têxteis e lanifícios, palitos, pólvora, confeitaria, extracção de pedra, garimpo de ouro nas praias com concessão régia (escusam de lá ir que já não há nada... :), etc.
Este núcleo ficaria também e assim como memória histórica.
Tudo arrasando, alguém que demande Oeiras nunca terá qualquer indício ou vestígio de que ali existiu a 2.ª maior metalúrgica de Portugal! Do Minho a Timor...!!
Chegou a ter 2000 operários e operárias no período áureo em que alimentou as guerras (Ultramar e, posteriormente, Irão-Iraque).
Resumindo:
1. Conservava-se a área da fundição primitiva, o pátio e o edifício administrativo;
2. Uma parte (a possível e útil) dos hangares seria recuperada para múltiplas utilizações - escolas de artes, música, concertos, exposições, feiras, serviços para os idosos como, p.ex., um centro de dia, etc.;
3. O restante, que ainda é muito, seria demolido e o espaço utilizado para a construção de algo de facto útil e necessário, quiçá urgente, para a população de Oeiras.
Ainda ontem, enquanto reflectia no assunto, me surgiu uma outra ideia: Que o espaço a demolir - ponto 3 - poderia servir para um pólo desportivo decente. Sei que temos o Estádio Nacional (e algumas estruturas dispersas), mas não há comparação em termos de acessibilidades. Imagine-se a imensidão de estruturas desportivas que ali se poderiam construir. Cortes de ténis, recintos para diversas modalidades, etc.
Acrescido de espaços lúdicos e mesmo pedagógicos. Um grande, e grandioso, jardim com lagos e bosquetes; uma quinta ecológica para as crianças. Venham as ideias e a vontade, e CORAGEM, políticas!
Concordo com as ideias expostas para estruturas no âmbito da saúde - um hospital, p.ex. - e dum centro de congressos. O espaço é imenso. Muito pode ali ser feito.
nota: Julgo que tudo ou quase tudo o que existia na fundição no respeitante a equipamentos (maquinaria, p.ex.) foi desmontado e vendido como sucata. Foi tudo alienado. Na visita guiada à Fundição em 15.09.2007, promovida pela Espaço e Memória - Associação Cultural de Oeiras, nada encontrámos. Os hangares estão vazios.
Abraço a todos.
Não deixemos cair e morrer este assunto, vital para todos nós!
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J;
Muito pertinente. Gostei!
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I.
EU TAMBÉM GOSTEI e apoio. Só não concorda quem já fez um certo tipo de contas e pensa que só o grande fica na história. Por outro lado só pessoas muito inteligentes e sensiveis, com educação superior, mentes abertas... escolherão alternativas como o José António e outros como ele defendem (e felizmente até é um número muito significativo.)Mas essas atitudes é que perpetuarão os respectivo nomes com um sentimento de respeito que perdurará pela eternidade.
Clotilde
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