terça-feira, 19 de agosto de 2008

"JOÃO"


Cena um

Uma criança igual a muitas outras. Dez, onze, doze anos... calção vermelho pelos joelhos, t-shirt, cabelo escuro, liso, meio curto, acompanhada por um adulto de calção e apito ao pescoço que a agarrava, e puxava, e empurrava enquanto lhe falava num tom de voz alto, agressivo, intimidatório. “João, hoje não escapas, tens que correr...”, e o menino a debater-se, a tentar não ser agarrado, puxado, empurrado, para o suposto local onde o homem de calção e apito o queria levar. À força.

Cena dois

Um passante alertado por um tom de voz alto, agressivo, que se admira de ver uma criança, - que timidamente se debate - a ser puxada, empurrada por um adulto de calção e apito ao pescoço e, se aproxima para tentar perceber melhor do que se trata e, ostensivamente, se mostra na tentativa de, com a sua presença, pôr fim ao tormento da criança. E o homem do apito sempre a puxar o menino. - “Olhe lá, o que é que se passa aí? O que está a fazer à criança?” - "Não se meta, não lhe diz respeito!” – “Ai diz, diz! O senhor está a maltratar uma criança e isso é crime público...! O senhor é pai do menino?” – “Não, não sou! Fui contratado pelos pais para o treinar porque ele é muito desobediente e hoje tem que correr...”
Tudo sempre no meio de puxões e empurrões e a criança a debater-se e a tentar fugir da mata. – “Olhe lá, acabe com isso! a criança está assustadíssima...” – “Já lhe disse, não se meta, não é consigo!” E o passante a tirar o telemóvel do bolso para fotografar ou chamar a Polícia e o dos calções e apito ao pescoço a agarrar a criança pela ponta da t-shirt, que entretanto tinha já passado o portão da mata, e o passante a dizer e a repetir: - “João! Dá-me o teu número que eu ligo aos teus pais e peço ajuda...! João...” e o menino a tentar escapar, sempre agarrado pelo do apito que, com ar ameaçador lhe dizia coisas junto ao ouvido, coisas que se perderam na distância enquanto subiam apressados a avenida.

Na manhã de 18 de Agosto. Mata do Jamor. Junto ao portão da Av. Duque de Loulé, em Linda-a-Velha.

6 comentários:

Anónimo disse...

Não quero acreditar que tenha havido esta cena. Será que os pais querem já treinar a criança para a maratona de Londres? Não seriam os 1ºs. a "investir" nos filhos para terem medalhas lá em casa. Lembram-se de um jogador de futebol que era bom mas a família sabia que ele tinha qq coisa no coração e morreu? Li isso há poucos anos e até parece que era aqui do concelho.
Clotilde

Tiazoca de Oeiras disse...

Estas coisas são sempre complexas e nos dois extremos da parentalidade: Há pais que têm filhos como animais de estimação, e tratam-nos de modo a que os rebentos fiquem "esquizofrénicos" tanto dão beijinhos com batem violentamente; tanto os mimam como os rejeitam . E se o dinheiro abunda pois, acabam os ditos na mãos de um " personal trainer" como o da presente história , sem competências técnicas e pedagógicas para a função .... Lá mais para a frente este menino, será um excelente candidato a comportamentos desviantes.
Outros há que numa organização social do trabalho perfeitamente desumanizada e diabólica podem muito pouco acompanhar os filhos , dado que urge optar entre trabalhar para manter em casa o minimo indispensável ou em alternativa a fome que assola na crise .
De qualquer maneira, nestes exemplos extremos , fica aqui a interrogação:
Quando o Estado não protege os mais vulneráveis de todos nós - crianças , idosos ; quando o Estado não cria nem agiliza mecanismos de protecção de menores e já agora devia também fazê-lo em relação aos idosos; quando a nossa cidadania, na maioria da população, se fica pelo voto comprado pelo populismo de 4 em 4 anos .... Algo vai mal no Reino da Dinamarca .
O João é mais um exemplo muito triste, que foi observado por alguém atento na mata do Jamor .
E Clotilde aposto, que esses pais o que querem do João é apenas que ele não os chateie, nem estavam atentos e disponíveis , para perceber que no inicio, o comportamento desajustado do menor, era apenas uma chamada de atenção e pedidos de socorro. Insensíveis pais que pensam que os filhos vêm com prazo de validade e livro de instruções

Anónimo disse...

Estou indignada!

antonio manuel bento disse...

Uma situação chocante e que deve ser reportada às autoridades competentes!

António Manuel Bento

Isabel Magalhães disse...

'Tiazoca';

Uma excelente análise, certamente de alguém muito experiente na área, e com a qual concordo a cem por cento.
Dou apenas o benefício da dúvida aos pais que poderão desconhecer a inépcia do 'sr do apito' para lidar com crianças, embora não estejam isentos da obrigação de se informarem melhor.

O 'passante' ainda pediu ajuda a um outro passante que alegou não estar disposto 'a levar um murro do homem do apito'...

Isabel Magalhães disse...

Amigas Clotilde e Fátima;

Esta é um comunidade pequena, pode ser que alguém reconheça o garoto do texto e alerte os pais...

Abraços

I.