QUANDO UM ACONTECIMENTO desportivo em tempo de paz mobiliza mais meios de segurança que a defesa do perímetro de Cabora Bassa na guerra colonial, sinto-me inseguro.
Quando vejo a tolerância dos clubes de futebol pelos seus grupos organizados de agitadores, sinto-me inseguro.
Quando um colega meu é atacado por um bando de marginais de cara tapada à entrada do meu local de trabalho, sinto-me inseguro.
Quando a principal artéria da capital de Portugal é encerrada para deixar passar hordas fanatizadas de claques de futebol que marcham entoando cânticos javardos, sinto-me inseguro.
Quando vou na rua e em vez de um polícia vejo um tipo com uma camisola e um capuz sinto-me inseguro.
Quando tenho de meter combustível a meio da noite e sou forçado a romper uma barreira de cabeças rapadas e embuçados que se acotovelam frente a um caixa sitiado atrás de grades, sinto-me inseguro.
Quando tenho que esgrimir o direito de arrumar o meu carro com gente esquisita que embrulha um instrumento afiado num jornal e me tenta guiar para onde não quero ir, sinto-me inseguro.
Quando tenho que pagar ao parquímetro e ao drogado, sinto-me inseguro. Quando ando na rua e vejo um grupo a injectar-se indiferente a quem passa, sinto-me inseguro.
Quando o meu governo me diz que não há cura para os vícios das drogas, sinto-me inseguro.
Quando o organismo do Estado encarregado do combate à droga se chama Instituto da Droga, sinto-me inseguro.
Quando na página deste organismo dedicada aos jovens leio nas perguntas e respostas "P: É possível acabar com a droga? R: Talvez não", sinto-me inseguro.
Quando se mata a tiro à porta de casa, na rua e nos parques de estacionamento, sinto-me inseguro.
Quando mensagens tribais de morte, ameaça e injúria aparecem da noite para o dia pintadas nos muros da minha terra, sinto-me inseguro.
Quando vejo as cidades portuguesas encherem-se de condomínios fechados, sinto-me inseguro.
Quando vejo as empresas de segurança privadas a cumprir funções de que a ordem pública abdicou, sinto-me inseguro.
Quando não conheço ninguém que não tenha na família uma história de assalto, de roubo, de brutalidade no trato quotidiano, sinto-me inseguro.
Quando oiço o responsável pelo Gabinete Coordenador de Segurança do governo dizer que as estatísticas mostram que as coisas estão muito melhores, aí, sinto-me mesmo muito inseguro.
Deixámos de ver no que nos estamos a tornar.
Mário Crespo
[Enviado pela Leitora M.A.R.]
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