quarta-feira, 2 de abril de 2008

Não houve braço-de-ferro nenhum



Acho espantoso que sobre a ocorrência na Carolina Michaelis várias opiniões insistam que a professora não devia ter entrado em "braço-de-ferro" com a aluna por causa do telemóvel. Não houve "braço-de-ferro" nenhum. A Professora recusou-se a capitular. Não deixou que lhe tirassem à força algo que, no exercício das competências em que está investida, tinha achado por bem confiscar. E não cedeu face a pressões selváticas. E não capitulou face a agressões verbais. E manteve-se digna no posto que lhe foi confiado pela sociedade, com elevação e consistência, cumprindo as expectativas depostas na sua missão. A Dr.ª Adozinda Cruz é um modelo de coragem que o país tem que aplaudir. Que a nossa confusa sociedade precisa de aplaudir porque é uma sociedade carente de pessoas como ela. A Professora de francês fez aquilo que tinha que ser feito. Sozinha. Porque trabalha numa escola onde o Conselho Directivo tolera que a placa com nome do estabelecimento, baptizado em honra de uma excepcional pedagoga que foi a primeira mulher portuguesa a conseguir leccionar numa universidade, esteja conspurcada, num muro com inenarráveis graffitis que mandam cá para fora a mensagem que lá dentro tolera-se a bandalheira. Numa escola onde durante minutos se ouviu a algazarra infernal dessa bandalheira, onde ela estava a ser agredida e nenhum colega ou funcionário ou aluno se atreveu a abrir a porta e ver se podia ajudar. Foi dessa cobardia geral e conformismo abúlico que a Dr.ª Adozinda Cruz se demarcou quando não deixou que a desautorizassem. É por isso funesto não lhe reconhecer a coragem e diminuí-la num bizarro processo de culpabilização da vítima. Estar a tentar encontrar fragilidades comportamentais num ambiente de tal hostilidade é injusto. E o facto é que não fora a louvável e pronta actuação do Procurador-geral da República a Dr.ª Adozinda Cruz ficaria sozinha. Abandonada pelo Ministério que a tutela, porque entende que o seu calvário é resolúvel nas meias tintas do experimentalismo burocrático, distante das realidades do terreno e que os problemas de segurança da escola são questões menores que se decidem dentro dos muros cheios de graffitis ameaçadores, em ambientes onde circulam armas e drogas. Abandonada pelas organizações laborais porque não está filiada. Com assinalável candura Mário Nogueira confessou em entrevista que a Fenprof não tinha feito nenhuma intervenção nem a faria porque "a colega não está sindicalizada". Abandonada no arrazoado palavroso do Bastonário da Ordem dos Advogados que, desconhecedor da Lei, achava que tinha que haver queixa para que a Procuradoria iniciasse algum procedimento e que, como tal, a professora deveria ser deixada ao sabor das indecisões da desordem que reina dentro dos muros graffitados. Felizmente o Estado não se limita a estas entidades. O Procurador-geral actuou a tempo e o Presidente da República, ao chamá-lo a Belém, diz ao país e em particular ao governo que o caso não está nem resolvido nem o executivo conseguiu um vislumbre de solução. Talvez fosse importante reforçar esta mensagem de preocupação, solidariedade e cidadania recebendo em Belém a Professora que não se intimida e é capaz de ser firme no meio do caos em que se tornou a educação pública em Portugal. As famílias entenderiam que a tolerância cúmplice e desleixada do Ministério, das escolas, sindicatos e acratas irresponsáveis iria acabar e poderiam começar a mudar o seu próprio comportamento.

Mário Crespo - in JN - ler notícia

4 comentários:

Rui Freitas disse...

Não podia estar mais de acordo com Mário Crespo.
Eu próprio, já ouvi (e contestei) outros comentários estúpidos contra a Professora.
Mas, enfim, somos o País que temos!

Fernando Lopes disse...

Ontem os meninos manifestavam no público a sua verdadeira natureza (ainda verde, é certo). E já tinham incluído a professora no grupo a abater. Só quem por lá passou sabe como determinados se comportam à menor fragilidade e muitas vezes sem ela. E os professores, que também os há malandros (mas esses vendem aulas), que deviam estar a dar aulas, preocupados em ajudar a aprender, estão é preocupados...aterrorizados... com a má educação daqueles quase homens e mulheres que vimos.

Oeiras disse...

100% de acordo. Rocambolesca é esta de o Bastonário da Ordem dos Advogados (não é dos médicos, é mesmo dos advogados) desconhecer a Lei que rege os crimes públicos, que não necessitam de queixa para serem processados. Bestial, ou como diria alguém, porreiro pá!

LUIS MILHANO (Lumife) disse...

Texto esclarecedor de como vão as coisas cá pelo burgo...

Um pequeno exemplo de outras tantas situações que ainda não tiveram direito à primeira página dos noticiários.

bj.