JN - 00h30m
É estranho que as cúpulas do partido de Manuela Ferreira Leite se empenhem tanto em passar-lhe um atestado de menoridade sugerindo que a sua presidente não pensa naquilo que diz e diz o que não quer. Entrevistei Manuela Ferreira Leite dois dias depois do 25 de Abril. Questionei-a sobre a comunicação em que o presidente exortou as forças políticas na Assembleia da República a encontrar "soluções de governo" nesta fase de crise. Perguntei-lhe com que "solução de governo" é que se sentiria mais confortável, Bloco Central ou Aliança Democrática. Respondeu-me que lhe servia qualquer solução em que acreditasse que os esforços fossem coincidentes com os interesses do país. Achei a resposta claríssima. Respondendo aos apelos presidenciais, Manuela Ferreira Leite não fecha portas a qualquer "solução de Governo". Em plena pré-campanha num ano de três eleições, a líder social-democrata quis deixar tudo em aberto, das coligações formais com o PS ou com o CDS, aos arranjos episódicos de negociações legislativas com todos.
Usei intencionalmente o presente do indicativo nesta descrição porque acho que o que Manuela Ferreira Leite disse é o que Manuela Ferreira Leite pensa: que na sua presidência os social-democratas têm a abertura para encontrar as "soluções de governo" que Cavaco Silva preconiza, não havendo limites nem à Esquerda nem à Direita. Ferreira Leite quis passar essa mensagem e passou-a.
Agora querem, em nome dela, destruí-la. Por ímpio que seja para o baronato social-democrata, Manuela Ferreira Leite confrontada com duas hipóteses muito claras, AD ou Bloco Central, não excluiu nenhuma, nem disse nada do género "com o PS, jamais". Pelo contrário. O que disse foi: se for preciso, negoceia-se e se houver acordo vai-se para a frente.
Mesmo nos surpreendentes e desnecessários desmentidos que se seguiram, o discurso vindo da sede na Lapa ficou-se por uma suave correcção interpretativa, dizendo que seria "abusivo" concluir que Manuela Ferreira Leite "queria" uma coligação com o PS. Claro que seria abusivo concluir isso como o seria ignorar que Manuela Ferreira Leite considera a reedição do pacto Soares/ Mota Pinto como uma hipótese em aberto.
Tão plausível como um entendimento com o que Paulo Portas consiga fazer do seu CDS-PP depois do triplo teste eleitoral. O PSD tem muitos dos chamados "Spin doctors". Especialistas em "efeitos" para alterar o tiro político depois de ter sido disparado. Os mais imaginativos destes curandeiros da mensagem atacaram desalmadamente os jornalistas que fizeram a justiça à líder social-democrata de reproduzir o que ela tinha dito. Os mesmos especialistas em purismo jornalístico que normalmente exigem inflexível rigor no relato da mensagem, desta vez insistem que o discurso da líder devia ter sido "interpretado" incorporando a "sua maneira de pensar no passado".
No século XIX, Lewis Carroll antecipou esta atitude no seu "Alice no País das Maravilhas", quando o absurdo Humpty-Dumpty, com a sua obnóxia forma oval, insiste num discurso redondo completamente ausente de sentido. Alice diz-lhe que a questão que se põe é saber se se pode fazer as palavras terem os significados que nós queremos, independentemente daquilo que elas querem dizer. Humpty-Dumpty responde que não é nada disso. "A única questão é quem manda"!
Que nos sirva de advertência que mesmo com as equações de poder ainda tão cheias de incógnitas, já há um PSD a querer articular o discurso de "quem manda".
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