domingo, 10 de maio de 2009

Na minha estante

O Camaleão que decididamente não sabia que cor escolher para si

Num país longínquo, em plena selva, o Camaleão, a quem tinha dado para a política, atravessou tempos difíceis, entrou num estado de total desânimo, porque os outros animais, aconselhados pela raposa, tinham-se apercebido das suas artimanhas e começaram a contrariá-las levando dia e noite nos bolsos conjuntos de diversos vidros coloridos para combaterem a sua ambiguidade e hipocrisia, de forma que quando ele estava violeta por qualquer circunstância do momento precisava de ficar, digamos, azul, tiravam rapidamente um vidro vermelho através do qual o viam, e para eles continuava a ser o mesmo Camaleão violeta, ainda que se comportasse como um Camaleão azul; e quando estava vermelho e por motivos especiais ficava alaranjado, usavam o vidro correspondente e continuavam a vê-lo tal e qual.

Isto só no que diz respeito às cores primárias pois o método generalizou-se tanto que com o tempo não havia quem não levasse consigo um conjunto completo de vidros para aqueles casos em que o manhoso ficava simplesmente acinzentado, ou azul esverdeado, ou de qualquer cor mais ou menos indefinida, para a qual eram necessários três, quatro ou cinco sobreposições de vidros.

Mas o melhor foi que o camaleão, achando que todos partilhavam a sua condição, adoptou também o sistema.

Então era vê-los todos nas ruas tirando do bolso diferentes vidros coloridos e alternando-os à medida que mudavam de cores, segundo o clima político ou as opiniões prevalecentes nesse dia da semana ou essa hora do dia ou da noite.

Como é fácil perceber, isto tornou-se numa espécie perigosa de confusão de línguas; mas rapidamente os mais espertos se aperceberam de que aquilo seria a ruína geral se não se regulamentasse de alguma maneira, a não ser que todos estivessem dispostos a ser cegos e perdidos definitivamente pelos deuses, e restabeleceram a ordem.

Para além do que ficou estabelecido no Regulamento que se redigiu para esse fim, o direito consuetudinário fixou pela sua parte regras de refinada civilidade, segundo os quais, se algum precisava de um vidro de determinada cor urgente para se disfarçar ou para descobrir a verdadeira cor de alguém, podia recorrer inclusive aos seus próprios inimigos para que lho emprestassem, de acordo com a sua necessidade do momento, como acontecia entre as nações civilizadas.

Apenas o Leão, que por essa altura era o Presidente da Selva, se ria de uns e de outros, mesmo que às vezes sorrateiramente brincasse também um pouco à sua maneira, para se divertir .

É desta época o ditado que reza :

Todo o Camaleão é da cor
Do vidro com que se vê

2 comentários:

Isabel Magalhães disse...

Tanta gente para enfiar esta carapuça! ;)

Anónimo disse...

É bom sinal! é porque se vence a inércia! Eh,eh