Quinta-feira, 2 de Jul de 2009 – Visão
O sistema de justiça americano, tantas vezes apontado como exemplo, acaba por não ser muito diferente do nosso: Madoff foi condenado a 150 anos; em Portugal, o julgamento duraria 150 anos. As semelhanças são óbvias
A condenação de Bernard Madoff a 150 anos de prisão não pode deixar de indignar todos os que possuem o mais pequeno sentido de justiça: Madoff é o responsável pela maior fraude financeira de sempre e nem assim apanhou prisão perpétua. Como é evidente, é improvável que Madoff cumpra a pena e, aos 221 anos, saia da prisão ainda a tempo de gozar a vida durante um quarto de hora - mas também não era provável que enganasse toda a gente durante 20 anos. Uma coisa é estar preso para sempre; outra é poder sair ao fim de 150 anos. É uma hipótese remota, mas é uma hipótese. Sobretudo se alguém lhe fizer aos anos de prisão o mesmo que ele fez às contas bancárias dos clientes: ao princípio parecem números muito elevados, mas em pouco tempo estão reduzidos a nada. Além do mais, todos sabemos como funciona o sistema: estas pessoas que têm dinheiro para pagar a bons advogados levam 150 anos mas depois, ao fim de 75, já estão cá fora por bom comportamento.
A pena leve de Bernard Madoff tem uma explicação: o julgamento foi feito com um descuido inaceitável. Em seis meses, Madoff foi preso, acusado e julgado. Recordo que se trata da maior fraude de sempre, que durou duas décadas. Ainda assim, foi julgada em meio ano. Oliveira e Costa está preso há sete meses. O caso Casa Pia começou a ser julgado em Novembro de 2004. Seis meses não chegam nem para fazer as bainhas às togas de todos os magistrados envolvidos.
Pela minha parte, registo com surpresa que o sistema de justiça americano, tantas vezes apontado como exemplo, acaba por não ser muito diferente do nosso: Madoff foi condenado a 150 anos; em Portugal, o julgamento duraria 150 anos. As semelhanças são óbvias. Como sabe qualquer leitor de Kafka, certos processos conseguem ser tão penosos como uma sentença. No entanto, como sabe qualquer residente em Portugal, a generalidade dos processos portugueses imita a história de Kafka a contrario: em lugar de um inocente que é submetido a um processo longo, absurdo e excruciante, temos um culpado que é submetido a um processo longo, absurdo e prazenteiro. Josef K. anda de tribunal em tribunal, em Praga, até perceber que o seu processo se arrastará indefinidamente; João Vale e A. anda de casa de luxo em casa de luxo, em Londres, porque já percebeu que o seu processo se arrastará indefinidamente. São histórias muito semelhantes, igualmente absurdas, mas a natureza do processo é ligeiramente diferente. Os processos, em Portugal, só são excruciantes para os queixosos.
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