terça-feira, 7 de julho de 2009

Ser ministro é assim uma espécie de martírio


por João Miguel Tavares- in Jornal ”Público”

Manuel Pinho levou a sua voz xanax até à SIC Notícias para explicar o hastear dos dedos no Parlamento. Mas dois minutos depois de começar a entrevista já ele estava a divagar sobre o tema favorito dos políticos portugueses: o "sacrifício pessoal". Os nossos políticos estão convencidos de que são os mártires da República. Com absoluto desinteresse e nenhuma ambição, sacrificando as suas vidas e uma carreira imparável no sector privado, decidem dedicar a sua vida à causa pública, obtendo em troca apenas sofrimento, trabalho infindo, notícias injustas e o distanciamento das suas famílias. Sempre que o leitor assistir a uma entrevista de um ministro em fim de mandato, não se esqueça da caixinha dos kleenexes.
Oh, como somos maus para com estes homens extraordinários. A bem da verdade, a ladainha sacrificial não é exclusiva dos políticos. No futebol é a mesma coisa. Luís Filipe Vieira não se cansa de apregoar os sacrifícios pessoais que faz pelo Benfica. E o novo presidente do Sporting, questionado antes das eleições sobre quanto iria ganhar ao serviço do clube, respondeu esta coisa admirável: "Não sei quanto vou ganhar. Para já sei quanto perdi." Uma frase de tal forma emblemática deste estado de espírito que valeria a pena transformá-la num azulejo que decorasse todos os gabinetes ministeriais do País, de preferência ao lado de um quadro do menino da lágrima: "O que ganhei, não sei. Apenas sei o que perdi."
Não está aqui em questão o quanto os ministros trabalham, que é com certeza muito mais do que qualquer um de nós. Acredito piamente que Manuel Pinho tenha passado noites inteiras a sonhar com mineiros. No entanto, defender que o empenho profissional merece, só por si, o nosso agradecimento é ter uma visão muito enviesada do que é a ética do trabalho. Portugal deve estar agradecido aos senhores políticos porque há pingas de suor a escorrer pelas suas frontes? Não brinquem comigo.
A ladainha sacrificial é vergonhosa, e basta olhar para as carreiras pós-política dos ministros para perceber a sua desonestidade. É verdade que os políticos ganham mal em comparação com o sector privado, mas aquilo que eles recebem quando abandonam a política compensa largamente os anos de sofrimento. Que o diga Dias Loureiro. Ou o seu amigo Jorge Coelho. A conversa do "sacrifício pessoal" concentra os piores defeitos da nação. Porque aquilo que ela esconde, na verdade, é o desejo de não se ser questionado, vigiado, escrutinado. Se eu dei tanto de mim, porque tenho ainda de ouvir isto?, perguntam eles. Palavras e atitudes como estas apenas demonstram que seis décadas de ditadura paroquial deixaram marcas profundas nas cabeças mais insuspeitas.

4 comentários:

Clotilde Moreira disse...

Andam a gritar a pedir votos e depois os lamentos chegam a meter nojo.
Havia uns que lamentavam-se nas reuniões públicas do sacrificio que faziam. Um dia disse: vão-se embora gozar a vida e deixem o espaço ao cidadão que tem precupações de cidadania. Olhem foi uma aflicção de desculpas e agora é: dá muito trabalho mas estamos com toda a nossa alma pela população.

Clotilde

Isabel Magalhães disse...

Diz o articulista:

"Não está aqui em questão o quanto os ministros trabalham, que é com certeza muito mais do que qualquer um de nós."

Pois... quando diz 'nós' fala de si, certamente, que enquanto homem desconhece quantas horas de trabalho tem o dia de qualquer mulher, mãe, dona de casa e assalariada. Muitas vezes sem folgas, feriados, domingos ou dias santos...

Quanto ao resto o meu aplauso.

Tiazoca de Oeiras disse...

Grande artigo .
Este é o jornalista que o sr. Sousa meteu em Tribunal, embora o processo fosse já arquivado por falta de fundamento.

Este PS convive muito mal com a democracia .

Anónimo disse...

O «grande democrata» Sócrates vai entrar para o GUINESS como o PM que mais processos moveu a jornalistas.