Opinião
Ontem
As eleições europeias foram a 7 de Junho. Três semanas seria tempo mais do que suficiente para o Governo perceber o que se passou e ter partido à conquista (sobretudo) do eleitorado que se absteve, ao mesmo tempo que deveria ter procurado minimizar os danos junto dos eleitores que foram às urnas castigar o PS, votar noutro partido.
Os eleitores que não votaram nas Europeias podem dar maioria quer ao PS quer ao PSD. Em teoria, a maior parte deles ou pertencerá aos indecisos do centrão ou serão votantes PS desiludidos. Os outros, os que estão firmes na sua vontade, terão votado. É por isso que a derrota do PS não parecia, não parece, irremediável. Mas é também por isso que o renascido PSD pode acalentar esperanças que eram impensáveis há três ou quatro meses.
Só nesta semana, os socialistas arriscam-se a ter perdido uma "mão-cheia"de votos, tantos foram os trambolhões. A constituição de Carlos Guerra como arguido no caso Freeport levou José Sócrates a desdizer o ministro da Agricultura, fazendo a opção correcta, é certo, mas mostrando falha de coordenação e deixando o ministro sem pé. O ministro Mário Lino fez duas declarações públicas impossíveis: primeiro, disse que não tinha idade para continuar como ministro; depois, com um ar cândido, falou de derrapagens nas obras públicas, como se fossem a coisa mais natural do mundo. No caso da Fundação das Comunicações, começou bem, mostrando o engano de Rangel e do PSD, e acabou mal, não explicando por que motivo optou o Governo por uma fundação privada, se os dinheiros são públicos. Para Sócrates, ficou guardado o pior da semana: no Parlamento, mostrou mais uma vez o que pensa da linha editorial da TVI, nuns termos que não são próprios de um primeiro-ministro, descendo ao mesmo nível da jornalista que critica e escorregando na pergunta, a ponto de todos termos percebido que lhe agradaria a alteração editorial. Depois, no caso PT-Prisa, fez figura de inocente, deixando passar a mensagem de que o Governo não sabia nem tinha de saber do negócio que estava em marcha, causando perplexidade geral tanta ingenuidade ou sede de poder. Com o reparo violento de Manuela Ferreira Leite e o puxão de orelhas de Cavaco (possivelmente para além do limite do que é tolerável num PR que se quer equidistante) matou, por razões políticas, um negócio interessante do ponto de vista económico e ainda aí ficou exposto às balas do PSD, que o acusou de se estar a proteger, acusação para a qual não encontrou resposta.
Sócrates, o mesmo Sócrates que no início da legislatura vencia as batalhas que travava, enfrentava lóbis poderosos e gozava de um estado de graça prolongado, aparece agora como um iniciado, exposto a todas as balas e sem protecção, sem alguém a seu lado com peso suficiente para o apoiar no refazer da imagem amarfanhada nas eleições europeias e o ajudar a relançar o partido para o próximo combate eleitoral. Manuela Ferreira Leite, por seu lado, mantém claramente um crescendo de credibilidade e tornou-se "a" figura. As coisas são entre ela e ele. Até o peso do Bloco e o crescimento da Esquerda à esquerda do PS passou para segundo plano. Talvez Sócrates precise que António Vitorino dê mais atenção à política real, agora que elabora o programa de Governo, e que António Costa apareça mais vezes com ele, antes de se dedicar por inteiro à campanha para Lisboa.