quinta-feira, 29 de novembro de 2007

ELES ESTÃO DOIDOS!


A MEIA DÚZIA DE LAVRADORES que comercializam directamente os seus produtos e que sobreviveram aos centros comerciais ou às grandes superfícies vai agora ser eliminada sumariamente. Os proprietários de restaurantes caseiros que sobram, e vivem no mesmo prédio em que trabalham, preparam-se, depois da chegada da "fast food", para fechar portas e mudar de vida. Os cozinheiros que faziam a domicílio pratos e "petiscos", a fim de os vender no café ao lado e que resistiram a toneladas de batatas fritas e de gordura reciclada, podem rezar as últimas orações. Todos os que cozinhavam em casa e forneciam diariamente, aos cafés e restaurantes do bairro, sopas, doces, compotas, rissóis e croquetes, podem sonhar com outros negócios. Os artesãos que comercializam produtos confeccionados à sua maneira vão ser liquidados.

A SOLUÇÃO FINAL vem aí. Com a lei, as políticas, as polícias, os inspectores, os fiscais, a imprensa e a televisão. Ninguém, deste velho mundo, sobrará. Quem não quer funcionar como uma empresa, quem não usa os computadores tão generosamente distribuídos pelo país, quem não aceita as receitas harmonizadas, quem recusa fornecer-se de produtos e matérias-primas industriais e quem não quer ser igual a toda a gente está condenado. Estes exércitos de liquidação são poderosíssimos: têm Estado-maior em Bruxelas e regulam-se pelas directivas europeias elaboradas pelos mais qualificados cientistas do mundo; organizam-se no governo nacional, sob tutela carismática do Ministro da Economia e da Inovação, Manuel Pinho; e agem através do pessoal da ASAE, a organização mais falada e odiada do país, mas certamente a mais amada pelas multinacionais da gordura, pelo cartel da ração e pelos impérios do açúcar. EM FRENTE À FACULDADE onde dou aulas, há dois ou três cafés onde os estudantes, nos intervalos, bebem uns copos, conversam, namoram e jogam às cartas ou ao dominó. Acabou! É proibido jogar!

Nas esplanadas, a partir de Janeiro, é proibido beber café em chávenas de louça, ou vinho, águas, refrigerantes e cerveja em copos de vidro. Tem de ser em copos de plástico.
Vender, nas praias ou nas romarias, bolas de Berlim ou pastéis de nata que não sejam industriais e embalados? Proibido.
Nas feiras e nos mercados, tanto em Lisboa e Porto, como em Vinhais ou Estremoz, os exércitos dos zeladores da nossa saúde e da nossa virtude fazem razias semanais e levam tudo quanto é artesanal: azeitonas, queijos, compotas, pão e enchidos. Na província, um restaurante artesanal é gerido por uma família que tem, ao lado, a sua horta, donde retira produtos como alfaces, feijão verde, coentros, galinhas e ovos? Acabou. É proibido.

Embrulhar castanhas assadas em papel de jornal? Proibido.

Trazer da terra, na estação, cerejas e morangos? Proibido.

Usar, na mesa do restaurante, um galheteiro para o azeite e o vinagre é proibido. Tem de ser garrafas especialmente preparadas.
Vender, no seu restaurante, produtos da sua quinta, azeite e azeitonas, alfaces e tomate, ovos e queijos, acabou. Está proibido.
Comprar um bolo-rei com fava e brinde porque os miúdos acham graça? Acabou. É proibido.

Ir a casa buscar duas folhas de alface, um prato de sopa e umas fatias de fiambre para servir uma refeição ligeira a um cliente apressado? Proibido.

Vender bolos, empadas, rissóis, merendas e croquetes caseiros é proibido. Só industriais.

É proibido ter pão congelado para uma emergência: só em arcas especiais e com fornos de descongelação especiais, aliás caríssimos.
Servir areias, biscoitos, queijinhos de amêndoa e brigadeiros feitos pela vizinha, uma excelente cozinheira que faz isto há trinta anos? Proibido.

AS REGRAS, cujo não cumprimento leva a multas pesadas e ao encerramento do estabelecimento, são tantas que centenas de páginas não chegam para as descrever.

Nas prateleiras, diante das garrafas de Coca-Cola e de vinho tinto tem de haver etiquetas a dizer Coca-Cola e vinho tinto.
Na cozinha, tem de haver uma faca de cor diferente para cada género.

Não pode haver cruzamento de circuitos e de géneros: não se pode cortar cebola na mesma mesa em que se fazem tostas mistas.
No frigorífico, tem de haver sempre uma caixa com uma etiqueta "produto não válido", mesmo que esteja vazia.

Cada vez que se corta uma fatia de fiambre ou de queijo para uma sanduíche, tem de se colar uma etiqueta e inscrever a data e a hora dessa operação.

Não se pode guardar pão para, ao fim de vários dias, fazer torradas ou açorda.

Aproveitar outras sobras para confeccionar rissóis ou croquetes? Proibido.

Flores naturais nas mesas ou no balcão? Proibido. Têm de ser de plástico, papel ou tecido.

Torneiras de abrir e fechar à mão, como sempre se fizeram? Proibido. As torneiras nas cozinhas devem ser de abrir ao pé, ao cotovelo ou com célula fotoeléctrica.

As temperaturas do ambiente, no café, têm de ser medidas duas vezes por dia e devidamente registadas.

As temperaturas dos frigoríficos e das arcas têm de ser medidas três vezes por dia, registadas em folhas especiais e assinadas pelo funcionário certificado.

Usar colheres de pau para cozinhar, tratar da sopa ou dos fritos? Proibido. Tem de ser de plástico ou de aço.

Cortar tomate, couve, batata e outros legumes? Sim, pode ser. Desde que seja com facas de cores diferentes, em locais apropriados das mesas e das bancas, tendo o cuidado de fazer sempre uma etiqueta com a data e a hora do corte.

O dono do restaurante vai de vez em quando abastecer-se aos mercados e leva o seu próprio carro para transportar uns queijos, uns pacotes de leite e uns ovos? Proibido. Tem de ser em carros refrigerados.

TUDO ISTO, como é evidente, para nosso bem. Para proteger a nossa saúde. Para modernizar a economia. Para apostar no futuro. Para estarmos na linha da frente. E não tenhamos dúvidas: um dia destes, as brigadas vêm, com estas regras, fiscalizar e ordenar as nossas casas. Para nosso bem, pois claro.

(Artigo de António Barreto no PÚBLICO)

13 comentários:

Unknown disse...

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As pessoas não querem acreditar...

BIG BROTHER IS WATCHING YOU!

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Isabel Magalhães disse...

Há medidas que têm por fim uma maior / melhor higienização e com as quais compactuo e foco, aleatoriamente, 'facas distintas para cortar cebola e barrar torradas' porque não gosto MESMO de torradas a saber a cebola, mas convenhamos que há um exagero paranoico nas medidas a entrar em vigor no próximo trimestre.
A bica em copinho de plástico - adeus 'italiana em chávena escaldada' numa esplanada - vai-me converter numa cliente 'bebe a bica em pé ao balcão'.
Também me admira que tanta preocupação com o nosso 'bem estar' não tenha considerado que os alimentos / bebidas quentes não devem ser servidos em recipientes de plástico por serem um risco para a saúde.
Os que desconhecem podem consultar num qq motor de busca.

Unknown disse...

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Tens toda a razão. Apenas deixaste de fora 2 aspectos:

1. Que os plásticos são um derivado do petróleo, TOPAS...?! Já os estou a ver a esfregar as mãos de contentes !

2. Que vai aumentar subtancialmente o consumo de plástico, os copos de plástico não se 'lavam' para reutilizar, e agravar-se-á imenso o problema ambiental causado por este.


O vidro é reciclável e os ziliões de recipientes, garrafas, copos e etc. que se usam em restauração e que acabam no lixo quando vazios, partidos ou muito gastos, podem ser, e são, reciclados se forem depositados nos locais apropriados.

O plastico, NÃO!
Simplesmente acaba no lixo.

!!! NÃO HÁ PLASTICÕES !!!

Plástico: ver AQUI.

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antonio manuel bento disse...

Tudo isto é um escândalo inaceitável, intolerável. Uma prática ditatorial, o aniquilar dos costumes tradicionais de Portugal, uma tentativa de aniquilação da nossa identidade própria, uma amputação aos nossos hábitos e costumes. O que é que querem afinal estas autoridades? Que passemos a ir ao shoping? A comer os macdonaldes?, é?! E qualquer dia já não se podem comer alheiras, porque as boas são as de caça, feitas por transmontanos honrados. E o que dizer da Ginginha na baixa que foi fechada pela ASAE só porque não tem casa de banho?!?!?! Uma casa centenárioa onde mal lá cabem meia dúzia de pessoas e fecha porque não tem casa de banho?!?!?! E já agora os vendedores de castanha têm que ter também uma casa de banho portátil para os transeuntes que queiram castanhas… Os nossos costumes estão em risco. Isto é mais grave do que o que se passa em Oeiras. Isto é gravíssimo. Vinho em copos de plástico?!?!?! É pornográfico! Julgo que é preciso agir e impedir que estas poucas vergonhas aconteçam. Deixei de fumar e não fumo já lá vão mais de vinte anos, mas sinto vontade de voltar a fumar só por causa desta proibição de se fumar nos cafés. Uma pouca vergonha.

Parabéns a este Senhor Barreto por nos esclarecer do que se anda por ai a passar no antro dessas autoridades de bruxelas que deviam era ir todas para o olho da rua ao invés de andarem a espoliar os salários dos cidadãos honestos.

antonio manuel bento disse...

E já agora uma duvida: Quando estou ao balcão num café a beber a bica e depois apetece-me ir para a esplanada, como é que faço?, despejo o café para um copo de plástico?!?!?! E se depois quiser voltar lá para dentro??!?!?! Volto a despejar para a chávena?! E se quiser a bica escaldada?! Será isto a sentença de morte à bica escaldada? Mas que pouca vergonha é esta?

António Manuel Bento, um cidadão ao serviço da comunidade

antonio manuel bento disse...

Isto é um atentado à esplanada enquanto espaço de referência de convívio em Portugal. Em bruxelas não há esplanadas porque está sempre a chover e faz frio, nós cá temos esplanadas em uso mais de metade do ano e agora? Imperial em cpos de plástico?!?!?! E O QUE SERÁ DA CANECA?!?!?! Vias de extinção certamente… e quem quiser comer numa espalnada à beira rio tem que comer em pratos de plástico? Copos de plástico?!?! Somos um pais gastronómico, temos os nossos hábitos e costumes, não se pode permitir que as directivas comunitárias com esta nova PIDE que é a ASAE ao seu serviço nos amputem os hábitos em tradição.

António Manuel Bento, um cidadão ao serviço da comunidade

antonio manuel bento disse...

E as minis?!?!?! Se quiser beber uma mini ao balcão de uma tendinha, será considerada esplanada?!?!?!?!?!, se sim vou ter que beber a mini num copo de plástico ao invés de beber pelo gargalo?!?!?!?!, e se for na esplanada pedir uma mini com uns caracóis ou uns tremoços para puxar?!?!?!, vem num copo de plástico?! E se eu beber pelo gargalo? E não quiser o copo de plástico que, com o vento até cai ao chão?, sou multado?!??!?! E se pedir um quarto vigor numa esplanada? Vem a garrafa com o copo de plástico ou a garrafa do quarto vigor tem que passar a ser de cartão ou plástico?!?!?!? A garrafa de quarto vigor é um ícone nacional, estará ela votada à extinção?!?!?!? ISTO É UMA POUCA VERGONHA E SINTO-ME PROFUNDAMENTE INDIGNADO E ATÉ JÁ ESTOU A FICAR NERVOSO.

António Manuel Bento, um cidadão ao serviço da comunidade

Isabel Magalhães disse...

J.;

[29 Novembro, 2007 18:34]

Fizeste bem em focar isso. Escrevi o meu comentário num intervalo 'entre tintas' e só me lembrei desse ponto mais imediato e que muitos dizem ser pouco significativo porque as partículas são mínimas - nunca fiando, claro - mas muitos outros há. A indústria do vidro, por exemplo, vai levar mais uma 'cacetada'...

Unknown disse...

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Isabel,

O caso não é para brincadeiras, mas as indústrias... vão sofrer uma REVOLUÇÃO INDUSTRIAL... ( das más )

Algumas pequenas indústrias, é mesmo provável que não sobrevivam, e lá vão mais uns quantos para o desemprego.

Assim como muitos pequenos estabelecimentos, snack-bares, cafetarias, etc., sem capacidade para corresponder às novas exigências. Coisas como espaço físico. Alguns vão ficar com a cozinha maior que o espaço público de atendimento com tantas arcas e arquinhas para isto e para aquilo e etc...
A exigência dum veículo-frigorífico, p.ex., é o suficiente para muitos fecharem as portas.

Ainda temos outro problema. Até aqui, quando um tipo não tinha dinheiro para pagar o que tinha bebido, ia para a cozinha lavar COPOS para pagar a conta... e agora, como vai ser ?!

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Isabel Magalhães disse...

J.;

'e agora, como vai ser ?!'

agora... será mais um caso para 'entupir' os tribunais ou então...

organizam-se aí umas 'brigadas populares'! ihihihihi

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I.

Unknown disse...

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I.

Estou aqui a pensar numa solução...

Ah, já sei, acho que vou fazer assim:

Passo a andar com um conjunto pessoal completo num estojo, constituído por uma chávena de porcelana e respectivo pires, colher metálica e um copo de vidro - tudo comprado nos 300.
Solicito que me sirvam na minha loiça.
Se disserem que não, apelo à 5.ª Emenda...
Se aparecer algum fiscal da ASAE... ele que passe a multa "que eu não pago" ! :)

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Isabel Magalhães disse...

J.;

Humor à parte, passo a beber a bica ao balcão e levo o bolo para a esplanada no tal prato de plástico.

A multa, incide sobre o estabelecimento e não sobre o cliente. Digo eu. Mas se calhar não estou actualizada. :)

Agora ainda mais a sério, julgo que as normas sobre os recipientes de plástico não se aplicam a esplanadas de restaurantes mas apenas às dos cafés/pastelarias. Isto a avaliar pelo que se vê em França.

[[]]
I.

Rui Freitas disse...

Caros Amigos,
Há muito que andamos "todos loucos" ou, como disse Alberto João Jardim: "está tudo grosso"?
Afinal, como sempre, a maioria dos portugueses porreiros acaba por ser "o pior cego"... aquele que não quis ver!
Há anos que a ARESP protestou contra a proibição dos utensílios de madeira nas cozinhas! Serviu de algo: NÃO!
Há anos que andam a multar artesãos que produzem e vendem em feiras os seus DELICIOSOS produtos!
Há anos que fecham pequenos restaurantes, pastelarias e afins, porque não têm duas casas de banho para os clientes e mais duas para o pessoal! Muitos, nem dinheiro nem espaço tinham para isso... e fecharam!
Em contrapartida, conheço restaurantes médios e médios-altos em que é impossível entrar nas casas de banho, tal é a imundície!
Pensavam que eram só os ciganos os penalizados? Ora tomem...
Nem a 5.ª Emenda nos acode, Zé!
Ah! Mas Durão Barroso será candidato a Prémio Nobel da Paz... a seguir a Al Gore (que também não se sabe porque o recebeu?)!
Ao que chegou este outrora respeitado galardão!
Ao que está a chegar este País!
Foi esta, a Europa que escolhemos? Eu, não!
Mas o tal "portuguesinho porreiro" acaso reclamou ou exigiu um Referendo ao Tratado de Lisboa?
NÃO!
Agora, aguentem.