"Quando eu nasci, tocava a fogo
Na minha freguesia,
E um meu vizinho, que perdera ao jogo,
Golpeava as veias, quando eu nascia."
Não sei se realmente terá havido esta simultaneidade de acontecimentos; ou se ela terá sido apenas, a posteriori, um requinte de encenação... O certo é que o poeta que assim viria a aludir às circunstâncias do seu nascimento - Eugénio de Castro - nasceu exactamente há cem anos, em Coimbra, no dia 4 de Março de 1869. E os quatro versos acima citados pertencem ao poema inicial do livro Interlúdio, publicado em 1894. Cinquenta anos depois, outro poeta - Sebastião da Gama - aproveitaria, deliberadamente, no seu livro de estreia, aqueles versos de Eugénio de Castro, mas para dizer precisamente o contrário:
"Quando eu nasci,
ficou tudo como estava.
Nem homens cortaram veias,
nem o Sol escureceu,
nem houve Estrelas a mais...
Somente,
esquecida das dores,
a minha Mãe sorriu e agradeceu."
O importante em qualquer dos casos, não é a verdade dos factos. Pode aliás um erudito vir a descobrir (ou pode mesmo já ter descoberto) que não se declarou fogo em nenhuma freguesia de Coimbra no dia 4 de Março de 1869, nem houve sinal de nenhum suicídio nas imediações da casa do futuro poeta; e, em contrapartida, que tenha alguém cortado as veias em Vila Nogueira de Azeitão, ou que o Sol aí tenha escurecido, no dia 10 de Abril de 1924... O importante é que certos poetas tenderão sempre a sublinhar (ou a inventar) circunstâncias de excepção em torno de si-próprios, enquanto outros hão-de fatalmente preferir que tudo à sua roda se mostre natural.. Trata-se, em suma, de duas famílias diametralmente opostas, que podem aliás coexistir nas mesmas épocas, mas que são por vezes favorecidas - ou prejudicadas - pelo estilo das épocas em que vivem.
David Mourão-Ferreira
in Sobre Viventes
OS ELEMENTOS - FOGO; 1998; 100 x 60 cm; acrílico sobre tela
19 comentários:
Adoro.
Maria da Graça Torres
O fogo queima e a água também pode queimar. Aliás o ar também e a própria terra às vezes como que se incendeia. Afinal tudo é igual... ou talvez não!
Isabel,
O texto e a tela são muito bonito, mas gosto mais da tela. O fogo nem sempre estraga/consome.`Muitas vezes aquece, ilumina e aconchega.
Clotilde
Isabel,
falou bem do FOGO através do poema, da história e das imagens!
Obrigado por participar da Tertulia!
Bjs
Texto muito interessante.
Imagem belíssima.
Um abraço.
Excelente ligação entre a selecção das imagens e dos poemas...
Todos os elementos podem queimar. Vai-se lá saber o que passa na cabeca dos poetas? É fogo, viu.
Abracos
O fogo queima, arde....
mas também pode ser visto como um sinal de esperança
de renascimento
Não leitor de poesia me confesso mas admito gostar das histórias dentro da história. Esta sua tela é poderosa e de grande impacto.
Parabéns pela escolha.
O fogo purifica.
A tela é sua?
É muito bonita
Parabéns pea sua participação
É isso Francisco.
Do fogo pode renascer a Phénix, em toda a sua pujança e beleza.
Muy bonito el cuadro. Retrata bien el fuego que cada día enciende el cielo cuando el astro rey se va a dormir :)
Saludos.
Parabéns Isabel, pelo texto e , em particular, pela pintura.
Um post muito bom.
Tem um equilíbrio entre o texto e as imagens muito eficaz.
Parabéns.
Faço minhas as palavras dos comentadores anteriores . Gosto muito .
Linda tela! Bom texto! Excelente participação nas Tertúlias!
Abraços!
Isabel, uma reverenciável obra de arte sua pintura. Parabéns!
Já disse ao Eduardo que uma das grandes virtudes do Tertúlia é a de nos dar oportunidade de conhecer novos blogs tão interessantes quanto este.
Abraços.
Caros Bloggers;
Um agradecimento especial a todos e a cada um, pela visita e pelas palavras aqui deixadas.
Que esta Tertúla continue a ser o ponto de encontro de muitas partilhas e de troca de opiniões.
Um abraço e se não for antes até 15 de Fevereiro.
Isabel Magalhães
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