terça-feira, 20 de janeiro de 2009

Triangular




Domingos Amaral

Cozido à portuguesa



Triangular é ir à direita, depois à esquerda, em movimento pendular, seduzindo os dois lados”

Desde que foi eleito, José Sócrates passou o tempo todo a ‘triangular’. Nunca foi claramente socialista, mas também nunca foi totalmente liberal. Por vezes, para conquistar o eleitorado do PSD, virava à direita. Depois, corrigia a rota para a esquerda, tentando satisfazer o seu eleitorado tradicional. Triangular é isso: ir à direita, ir à esquerda, em movimento pendular, seduzindo votos de um lado e de outro.

No início, foi obrigado a subir os impostos, o IVA e o escalão mais alto do IRS, uma política muito criticada à sua direita, mas da qual a esquerda gostou. Quase de imediato, virou à direita, atacando professores, juízes e outros funcionários públicos, que foram obrigados a sacrifícios. Em nome da contenção orçamental – uma ideia que repugna a esquerda – praticou algumas reformas, dissolveu direitos adquiridos e conquistou a reputação de "determinado autoritário", subindo de cotação nos corações endireitados, em especial com as mudanças na Saúde, de cunho claramente "neoliberal". Mas, para não perder à esquerda, apoiou depois uma das suas causas, o aborto, voltando a triangular.

A meio do mandato, Sócrates já ‘triangulara’ várias vezes, embora nem sempre fosse bem-sucedido. Nas eleições presidenciais, por exemplo, perdeu duas vezes. Primeiro, porque Soares foi derrotado por Alegre, depois porque Cavaco foi eleito. Mas, de uma maneira geral, a coisa saiu-lhe bem: conteve o ‘deficit’ e manteve a oposição externa – PSD, PP, BE e PCP – sem motivos de alegria. Só a esquerda do PS dava sinais de perturbação e, para pacificar Alegre, o primeiro-ministro foi obrigado a nova ‘triangulação’, de novo para a esquerda. Deixou cair Correia de Campos, e a Saúde deixou de ser problema.

Nos inícios de 2008, Sócrates voltou a triangular um pouco para a direita, descendo o IVA. Só que a crise internacional começou a desabar sobre as nossas cabeças e ele triangulou para a esquerda. Decretou o fim do "liberalismo", anunciou mais despesas do Estado e aumentos aos funcionários públicos.

Contudo, não se julgue que ele deixou a táctica habitual. Este fim-de-semana, brindou-nos mesmo com um ‘ex-libris’ de triangulação simultânea: menos carga fiscal às classes médias e apoios às PME, para o centro-direita; legalização do casamento gay, para a esquerda.

Se isto vai resultar em maioria absoluta em Outubro, ninguém sabe, mas lá que é uma forma esperta de um socialista fazer política, lá isso é.

2 comentários:

Isabel Magalhães disse...

A promessa de "menos carga fiscal às classes médias" deve fazer parte do "Pacote de Promessas II" igual ao "Pacote de Promessas I" que o Sócrates fez há 4 anos e nunca cumpriu. Mas o povo tem a memória curta, levou muita bordoada do Salazar e habituou-se. Ficou igual ao burro do cigano. Come e cala.

E ainda há uns quantos que lhe "batem palmas"...

Mentiroso disse...

Um retrato perfeito; vê-se que a utora sabe pintar com primor. Daí que o vaticínio que ele ganhe as próximas eleições só pode ser certo, sobretudo se ainda tivermos alguma memória e nos recordemos o que o grupo dos malvados que lá estavam se estava a preparar. Já tinham tudo assente para fazerem ainda pior do que o que este fez. Isto da maldade e desinteresse dos políticos deixa-nos sem escolha. Que interessa o partido? Do mal o menos, seja ele qual for.