segunda-feira, 6 de julho de 2009

Histórias privadas

Opinião







JN 00h36m

Há uma década Joe Berardo alertou tudo e todos para riscos e inconsistências na gestão do Banco Privado de João Rendeiro que pareciam ser imensamente graves. Apesar de o ter feito com característico dramatismo, publicando um explosivo comunicado na imprensa mais lida de Portugal, ninguém lhe deu atenção. O comunicado de Berardo anunciava a sua decisão de sair do Banco Privado, de que tinha sido accionista fundador, porque "(…) o valor das Provisões do Banco haviam passado de 33,6 mil contos para 283,2 mil contos" e que "dada a natureza do BPP este reforço de provisões só poderia vir de riscos incorridos a nível da carteira". Berardo acabaria por sair do BPP vendendo (como sempre) com bom lucro a sua participação. O extraordinário é que, há dez anos, nenhuma das autoridades reguladoras do mercado em Portugal tenha retirado qualquer consequência de tão claro indício de que havia algo de invulgar a passar-se numa instituição que operava com uma licença bancária, movimentando montantes substanciais de dinheiros públicos, e do público. E nos dez anos que se seguiram, apesar do clamor que agora envolve o BPP, a denúncia de Berardo foi esquecida. O Banco de Portugal teve dois governadores neste período, António de Sousa e Vítor Constâncio. Nenhum deles accionou qualquer mecanismo que procurasse explicações sobre as vertiginosas subidas dos níveis de provisão do Banco Privado que tinham alarmado o apurado sentido de risco de um dos mais hábeis investidores portugueses, ao ponto de o levar a uma raríssima denúncia pública. Por seu lado, os responsáveis pela Bolsa não detectaram qualquer sobressalto com um incidente significativo, num mercado em que é suposto serem os garantes da ética e lisura dos feirantes. Tudo continuou como se nada tivesse acontecido, apesar de o fim da década de 90 e os primeiros anos do novo século serem em Portugal, com a entrada para o Euro, períodos muito propícios ao crime financeiro. Como o diz o próprio João Rendeiro, "(…) houve ofertas fabulosas de branqueamento de capitais" que teriam chegado ao Banco Privado e que ele diz ter rejeitado (in Testemunho de um banqueiro, pag.99). Apesar das trágicas consequências da inacção dos responsáveis pelos bens dos portugueses, como mais vale tarde que nunca, ainda agora é bem oportuno perguntar de onde vieram essas "ofertas fabulosas de branqueamento de capitais" que Rendeiro refere no seu livro. Novamente aqui, a falta de prudência dos reguladores em Portugal é ultrajante. Como é que um banqueiro faz uma afirmação destas e ninguém lhe pede explicações? É por isso que, sem que os fiscais mostrassem qualquer interesse "prudencial" nesta década desde a denúncia de Berardo, de imprudência em imprudência, o Banco Privado foi captando poupanças de ricos, pobres e remediados num sorvedouro agora aparente nas manifestações das vítimas destituídas frente às sedes do BPP. Houve indícios claríssimos e as autoridades ignoraram-nos. Na semana em que João Rendeiro vai ser formalmente constituído arguido, Berardo faz o mesmo alerta que fez há 10 anos. Vamos ver se desta vez é ouvido, ou se as irresistíveis maluquices do Professor Manuel Pinho nos vão continuar a absorver totalmente. É curioso! Manuel Pinho foi professor de Rendeiro na faculdade.

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