«Não conheço muitos professores do ensino básico e secundário, mas o contacto que, ao longo dos anos, venho mantendo com alguns e o facto de ter netos a frequentar a escolaridade obrigatória permite-me ter uma ideia mínima do que se passa nas escolas. Aliás, se não me posso pronunciar com mais profundidade sobre estes graus de ensino não é responsabilidade minha, mas das leis que o Ministério da Educação promulga.
Há quatro ou cinco anos, ofereci-me para, durante um ano lectivo, leccionar História em qualquer grau de ensino não superior, coisa que um jurista do ministério me explicou ser impossível, por ter "habilitações a mais". O meu plano era analisar o ambiente de uma escola da periferia de Lisboa com o objectivo de, no final do ano, escrever um livro. Pelos vistos, faltava-me percorrer o calvário a que estes docentes são sujeitos.
É fácil deitar a culpa dos males do ensino para cima dos professores. No sossego do lar, eu própria já o fiz, mas as coisas chegaram a um ponto que o ataque a esta classe, especialmente se vindo do ministério, é indecoroso. Para se ser bom docente, são precisas três coisas: uma sólida preparação de base, prestígio junto da comunidade e autonomia de acção. A isto pode juntar-se a paixão pelo que se lecciona, um ideal que nem todos podem atingir. Ora que vemos? O Estado prepara mal os docentes (obrigando-os a frequentar cursos mal estruturados e estágios baseados em cursos recheados de jargão inútil), mina o seu status profissional e pretende regulamentar tudo o que se passa na sala de aula. Não estou a falar do curricula, que, esse sim, compete ao poder central elaborar, mas das centenas de despachos normativos, regulamentos e grelhas que atulham as caixas de correio das escolas. Depois de lhes ter dado uma educação deficiente, de ter transformado a sua carreira num pesadelo, de lhes ter retirado a possibilidade de inovar, o Estado dá-se ao luxo de os olhar com desconfiança.
Estou consciente de que, como em todas as profissões, há ovelhas ranhosas dentro da classe. Mas este problema só pode ser resolvido por uma direcção escolar composta de forma diferente e por um sistema de ensino mais flexível do que aquele que existe. Para mal dos nossos pecados, nenhum governo teve coragem para alterar o esquema de organização das escolas, muito menos para deitar abaixo o bloco monolítico que para aí anda a cambalear. Um director empenhado fará sempre a diferença. Tendo começado bem, a actual ministra derrapou e o primeiro-ministro lembrou-se de usar o velho truque de tentar isolar o sindicato das suas bases. Jamais defendi actuar este de forma imaculada - considero até que a maior parte das suas ideias é errada -, mas a degradação do ensino não é fundamentalmente culpa sua, uma vez que o sindicato só interfere porque o poder o deixa. Finalmente, a aparição, no dia 8 de Outubro, de polícias à civil na sede do sindicato na Covilhã, de onde levaram documentos relativos a uma anunciada manifestação contra o engenheiro Sócrates é inadmissível. Só um país apático aceita as conclusões idiotas que, após um chamado "inquérito", o Governo tornou públicas.
Deixo de lado as paranóias do primeiro-ministro para me centrar no tema deste artigo. Para além de terem de leccionar programas imbecis, de passarem a vida a girar de uma escola para outra, de serem sujeitos a avaliações surrealistas, os professores são obrigados a aturar alunos malcriados. Há tempos, um professor contou-me ter sido agredido por um aluno de 17 anos, tendo-me em seguida explicado que decidira não responder à letra ao matulão, porque isso implicaria um processo disciplinar contra ele, docente, e não contra o aluno. Mas não é apenas a violência, mas a apatia que mina a escola. Recordam-se daquela reportagem da RTP1, em que se via uma turma onde, farta de ouvir a lição, uma miúda se punha a varrer o chão? É com isto que, dia após dia, após dia, muitos docentes se defrontam.
Há 30 anos, quando os meus filhos entraram para o ciclo preparatório (actuais 5.º e 6.º anos), numa escola pública (a Manuel da Maia), ao lado do Casal Ventoso, quase todos os alunos pertenciam à burguesia. O ambiente que ali se respirava reflectia a cultura que as crianças traziam de casa: mesmo quando não livresco, o ethos era hierárquico. Com a evolução da sociedade portuguesa - e não o devemos lamentar - tudo isto mudou. Muitos dos alunos provêm agora de meios sócio-económicos baixos e são fruto de gerações de analfabetos. É com crianças educadas à base de telenovelas e de "saberes" aprendidos na rua que os professores têm de lidar. Como se isto não bastasse, a escola é forçada a desempenhar funções que, em princípio, lhe não competiria, tais como cuidar de miúdas que engravidam aos 13 anos e de rapazes que consomem drogas.
Não quero pensar no que é a vida de uma jovem, com filhos pequenos, que diariamente tem de fazer quilómetros, a fim de chegar ao estabelecimento escolar para o qual foi "destacada" - só o termo me horroriza! -, onde é obrigada a enfrentar crianças para quem o ensino é uma maçada. Em geral, sou pouco condescendente com as "baixas" justificadas por atestados que confirmam doenças psíquicas, mas, no caso dos professores, tenho de abrir uma excepção. Só no último mês, deparei-me com duas professoras que se tinham ido abaixo. Nenhuma ensinava, repare-se, em zonas socialmente turbulentas: uma leccionava numa aldeia perto de Viseu, a outra em Évora. O que as afectara fora a ausência de independência dentro da sala de aula: ambas se sentiam marionetes numa peça que não tinham escrito. Sem programas bem feitos, sem manuais decentes, sem incentivos para se actualizarem, a vida dos professores transformou-se num inferno.»
Maria Filomena Mónica
[Público assinantes]
12 comentários:
Uma notícia tipo reportagem em prol dos professores... será mania da perseguição? Penso que, como em tudo, quem está mal muda-se e pode então procurar outra profissão... há tantos a querer trabalhar...
Ora ora, 'caro anónimo', com um texto tão pertinente e esclarecedor como o da Maria Filomena Mónica, - pessoa não suspeita, esclarecida e objectiva - e só lhe ocorre deixar um 'pensamento tão profundo'???!!! Francamente!
Ó Isabel, não vale a pena... E depois queixam-se!
Temos o que merecemos, não é?
À Mónica, os meus sinceros parabéns por este verdadeiro "retrato" da dificílima vida dos Professores!
Ainda uma nota [para o 'caro anónimo']:
Poderia, caso fosse pessoa atenta, mencionar por exemplo que a ovelha não está constipada. O que ela tem é ronha. Isso sim foi um lapsus linguae da MFM.
Li este artigo e embora não seja uma simpatisante desta escritora o artigo reflecte quase a 100% o mal da vida de um professor. A falta de respeito, tanto dos alunos como do minitério para com estes trabalhadores - a maior parte são bons profissionais e dedicados, conscientes que as crinaças e os jovens são o futuro... Retiraram a autoridade e a agora a chinesice das baldas... A quantidade de professores desiludidos, esforçando-se por ultrapassar as patetices de quem "manda"... só o muito amor à profissão tem aguentado muita gente. Um VIVA aos professores que continuam a acreditar.
Clotilde
Já para não mencionar também a falta de respeito de alguns pais, familiares de alunos e encarregados de educação...
Transformado o professor em 'bombo da festa' anda 'tudo' a 'bater no ceguinho'!
Todos os que "atacam" os professores e que acham que leccionar é fácil, que pouco ou nada se faz na escola / casa, e que o tempo de férias são três meses, DEVERIAM concorrer para leccionar pelo menos um ano (claro que os alunos saíriam prejudicados), para sentir na "pele" realmente as dificuldades e desgate desta profissão.
Por vezes não basta ensinar/educar os alunos, os pais por vezes saõ os maiores culpados.
A escola/professores NÃO PODEM DAR TUDO.
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Oh rosmarinus/silvério,
Mete nessa estúpida cornadura chauvinista, duma vez por todas, que esse teu NAZI-FASCISMO não bota mais a peida no Oeiras Local !!!
Nem que a vaca (que te pariu) tussa...
Até como anónimo, não passas dum 'gato escondido com o rabo de fora'... pelo 'estilo' da prosa topa-se logo que és tu.
VAI CHATEAR O CAMÕES !!
Ah, e de caminho vai comer umas sardinhas ali para as bandas de Setúbal.
Post scriptum: Escusas de voltar a mandar o teu 'comentário', esse chorrilho de insultos, mentiras, falácias e insinuações estúpidas, porque ele NUNCA será publicado.
José António dixit
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Sr. José António,
Concerteza está irritado, mas deixe que não vale a pena...
Sabemos das dificuldades por que passamos, mas ainda há pessoas que julgam que somos beneficiados, sem comentários.
Cump.
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Caro Anónimo (07 Novembro, 2007 14:46)
Obrigado pelas palavras de encorajamento.
Na verdade não estou irritado. Era preciso muito mais...
Esta é mesmo a minha natureza. "Olho por olho, dente por dente", e para quem não gosta 'a porta faz a serventia da casa'...
Se as minhas palavras são duras e violentas, tal deve-se a que um certo 'visitante', vá-se lá saber porquê e com que propósito, me 'tomou de ponta' praticamente desde que este Oeiras Local nasceu, há quase dois anos, e insistentemente aqui vem sem ter a mais leve participação construtiva.
Os comentários que deixa pautam-se sempre por duas características típicas: contêm sempre um ataque directo com insultos à minha pessoa (diga eu o que disser) e nunca se referem ao teor do tema publicado, ao invés 'apontando canhões' ao modo como a proprietária deste blog, Isabel Magalhães, eu, José António, a quem foram concedidos alguns privilégios administrativos, assim como o D.C. e o Rui Freitas, que também participam da panóplia administrativa do blog, identicamente com algumas prerrogativas administrativas, distribuindo responsabilidades entre todos nós num espírito de completa confiança, administramos o NOSSO Oeiras Local.
Estou neste Oeiras Local desde a primeira hora em que foi criado, e a ele dedico muito do meu esforço, tendo mesmo posto de lado muitos dos meus blogs pessoais para neste poder colaborar mais assiduamente.
Quem aqui vem, e compreendo-o, não imagina o trabalho, o esforço, a dedicação e o tempo que podem estar por trás de muitos dos posts que lê.
Nalguns casos são dias de 'investigação', leituras, consultas, compilação de dados, sem falar em fotografar (o que pode exigir caminhar longas distâncias a pé), escolha de imagens, e por aí fora.
Basta ver as HORAS a que são colocados muitos posts e ter a noção de que TODOS os colaboradores são profissionais e trabalham durante o DIA, para ter uma noção de alguns dos sacrifícios que fazemos - estar a fazer posts para o blog a horas a que devíamos estar mas era a dormir e a descansar para no dia seguinte ir trabalhar...
Chateia 'empenharmo-nos' para darmos aos outros (a quem o quiser) um pouco do nosso trabalho e termos um 'fantasma cobardolas' cujo divertimento ( onanismo ?! ) é passar a vida a vir aqui apenas com o intuito de nos insultar e de destruir o nosso trabalho.
Se lhe chamo COBARDE é porque ele se esconde no anonimato, porque tenho a certeza de que se tivéssemos um contacto presencial ele há muito teria perdido a coragem para fazer o que faz. Se continuasse a ter... provavelmente eu já lhe teria dado com uma cachaporra nos cornos...
Como aos longo destes quase 2 anos ele mantém a mesma atitude de (petit) 'enfant terrible' e não muda, não contribuindo em nada para a valoração do Oeiras Local, a única coisa sensata a fazer, a bem da sanidade mental e do sossego dos nossos muitos visitantes, parece-me óbvia. Defendo-a.
É um 'puto mal comportado'... RUA COM ELE !!
Cumps
Caro José António;
Olhe, não leve a mal, mas o cretino do «rosmarinus/major» nem merece um «espirro»...
Que fique lá sossegadinho «prás bandas de Setúbal» que não deixa saudades, criatura execrável e ofensiva.
Ao anónimo 'he knows who'!
Não vale a pena insistir...
Os seus pretensos comentários pejados de insultos [ao José António Baptista, e não só] não serão publicados; opção MINHA! E, de agora em diante, nem serão lidos - estão bloqueados e seguem directamente para a CESTA secção.
Olhe... queixe-se ao Tota ou, em alternativa, vá pela blogosfera de Oeiras, - como é seu hábito - deixar insultos ao O.L. e à administração e até ao meu trabalho - como aliás já fez - trabalho esse devidamente colectado na repartição de finanças da minha área.
E, parafraseando o outro:
'Falem de mim, bem ou mal, desde que falem'!
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