quinta-feira, 5 de fevereiro de 2009

PONTOS DE VISTA por Jorge Miranda





CARCAVELOS – UM PATRIMÓNIO PARTILHADO


O vinho de Carcavelos constitui um património cultural e económico partilhado por Cascais e Oeiras. Nenhum destes concelhos se pode arrogar em “proprietário” ou “representante” da região que o produz ou da sua história. É um bem bipartido, mas que tem de ser encarado como um todo. Não há política municipal, coerente e séria, que se possa sobrepor a esta realidade secular. O que se fizer no sentido da divisão, da fractura da região – una – demarcada redundará no seu enfraquecimento, embora os propósitos possam ser bem intencionados.

A Câmara de Cascais só recentemente olhou para este património. Já promoveu duas exposições, em anos diferentes, sobre o tema e tem em curso o processo de construção do Museu do Vinho de Carcavelos, com base no aproveitamento da adega da antiga quinta do Barão. Também – e é importante que se diga – adquiriu a preciosa colecção documental que pertenceu ao conhecido livreiro-antiquário José Maria Almarjão, infelizmente já falecido.

A Câmara de Oeiras, mais dinâmica e objectiva, investiu muito mais. Mas muito mais poderia ainda ter feito, se a sua perspectiva estivesse também voltada para o plano cultural e turístico. A sua atenção concentrou-se na produção. Em não deixar morrer o Carcavelos de matriz oeirense. E aí – seja reconhecido o seu mérito – excedeu-se, pois substituiu o que o Estado deveria ter feito na Estação Agronómica Nacional. Se, hoje, se produz vinho de Carcavelos, de acordo com a lei, nesta propriedade – a maior área de vinha de toda a região –, deve-se ao empenho e vultoso investimento da Câmara de Oeiras. E assim nasceu a marca Conde de Oeiras que, depois do devido estágio, será lançada no mercado este ano em que o concelho comemora 250 sobre a sua instituição.

É neste contexto que a Câmara de Oeiras tomou a iniciativa de estimular a criação da Confraria do Vinho de Carcavelos, com o que estamos plenamente de acordo. Mas qual é a posição da Câmara de Cascais? Esta não deve ficar à margem do processo.

A futura confraria terá de abarcar a região e encarar equidistantemente todas as marcas, segundo a qualidade que as competências na matéria reconhecerão. No entanto, este princípio de equilíbrio parece estar inquinado, o que, a concretizar-se, representará um atropelo até à própria história. Preocupou-nos termos lido que a confraria, segundo informação emanada da autarquia oeirense, irá criar condições para que “a marca emergente [Conde de Oeiras] seja devidamente promovida”. E as outras marcas e produtores, embora sediados no concelho de Cascais?

Jorge Miranda
jorge.o.miranda@gmail.com
Com os habituais agradecimentos ao Autor e ao Jornal da Costa do Sol pela cedência do artigo e à revista municipal oeiras actual pelo uso da foto.

4 comentários:

Anónimo disse...

Felicito o Dr. Jorge Miranda por este excelente artigo.
De facto é muito agradável saber que os responsáveis autárquicos se preocupam com um tema-produto rural. Cascais mais na linha da pura musealização e Oeiras preocupado em produzir na "cotada" da Estação Agronómica. Ainda bem que o fazem.
Pergunto. Nestes tempos que se avizinham difíceis não seria importante olharem e olharmos para a ruralidade que já fomos. Que é feito dos laranjais do Jamor (cantados por Cesário Verde) e da Ribeira de Barcarena que ainda conheci e que abasteceram a casa de meus pais? Não poderíamos voltar às hortas, agora sociais. Afinal a cidade de Londres não é em parte significativa abastecida pelos quintais citadinos? Tempos virão!

Unknown disse...

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O nosso Amigo, dr. Jorge Miranda, aborda através desta problemática do vinho de Carcavelos, uma questão já com 'barbas'.

A saber, a destes dois concelhos vizinhos estarem de costas voltadas, o que lamentamos.

A sua vizinhança, a topografia idêntica, a continuidade litoral, o povoamento do mesmo tipo, as actividades comuns (p.ex. a pesca, a agricultura), a ruralidade interior de ambos, as raízes históricas similares e frequentemente mescladas, etc., bem que mereciam uma política comum das duas autarquias em determinados planos.
Dou como exemplos: a cultura e o turismo.

Enfim, tenhamos esperanças que um destes dias os 'gémeos' se encontrem.

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Unknown disse...

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Caro Fernando Lopes,

Muito se tem debatido e opinado, inclusive aqui, sobre essa temática (hortas).

O que acontece é que, enquanto debatemos, os construtores não ficam de braços cruzados, e a construção em solos aráveis não tem parado de aumentar.
A 'betonização' do nosso concelho é um facto inalienável e indesmentível, e sente-se a inexistência de vontade política para lhe pôr, senão um travão, pelo menos um freio.

Assim, lamento o meu cepticismo, vejo cada vez mais remoto esse regresso (sustentado) à característica ruralidade, sobretudo do interior, do nosso concelho.

Mas também não perdi as esperanças todas. A ver vamos.

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Isabel Magalhães disse...

Amigo Jorge Miranda;

Gostei especialmente deste artigo e das dúvidas levantadas.

Abraço

IM