domingo, 5 de outubro de 2008

A DOMESTICAÇÃO DA SOCIEDADE

O que é que se está a passar? Nada. Vivemos entre dois países opostos. Num, existe uma sociedade dinâmica, em franco progresso, em mudança sempre para melhor em todos os domínios, educativos, laboral, económico, administrativo, tecnológico. No outro, o quotidiano parece cada vez mais duro e insuportável, há insegurança, assaltos, degradação da qualidade de vida, corrupção, ameaças de crise financeira. Criou-se uma clivagem entre os dois, ou há um que é real e o outro imaginário? Colocar assim a questão é construir um quadro artificial relativamente ao nosso «vivido». É certo que vivemos um pouco esquizofrenicamente, mas naquele «nada» que separa os dois mundos algo se passa subterraneamente.

Acontece, antes de mais, que o português voltou à inércia e à passividadeface ás transformações inelutáveis que abalaram a sua existência como destino. A esse estado de espírito acrescentou-se recentemente um processo de interiorização do novo modo de vida a que a modernização o vai condenando. Um grupo social tornou-se emblemático desta conjuntura: o dos professores.

A sua situação não mudou. Justificaria ainda a saída à rua de 100 mil pessoas. Mas, precisamente, uma tal manifestação seria hoje impensável. O Governo e o ME ganharam. Os espíritos estão parcialmente domados. Quebrou-se-lhes a espinha, juntando ao desespero anterior um desespero maior. O ambiente das escolas é agora de ansiedade, com a corrida ao cumprimento das centenas de regulamentações que desabam todos os dias do Ministério para os docentes lerem, interpretarem e aplicarem. Uma burocracia inimaginável, que devora as horas dos professores, em aflição constante para conciliar com uma vida privada cada vez mais residual e mesmo com a preparação das lições, em desnorte com as novas normas (tal professor de filosofia a dar aulas de «babysitting» em cursos profissionalizantes) - tudo isto sob a ameaça da despromoção e do resultado da avaliação que pode terminar no desemprego.

COMO FOI ISTO POSSIVEL? Ccmo foi possível passar da contestação à obediência, da revolta à «servidão voluntaria» como lhe chamava La Boétie? Indiquemos um só mecanismo que o Governo utiliza: a ausência total de resposta a todo o tipo de protesto. Cem mil pessoas na rua? Que se manifestem, têm todo o direito – quanto a nós, continuaremos a enviar-lhe directivas, portarias, regulamentos a cumprir sob pena de… (existe a lei). Ausentando-se da contenda, tornando-se ausente, o poder torna a realidade ausente e pendura o adversário num limbo irreal.

Deixando intactos os meios da contestação mas fazendo desaparecer o seu alvo, desinscreve-os do real. É uma técnica de não-inscrição. Ao separar os meios do alvo, faz-se do protesto uma brincadeira de crianças, uma não–acção, uma acção não performativa. Esta reduz-se a um puro discurso contestário, esvaziado do conteúdo real a que reenviava (é o avesso, no plano da acção, do enunciado performativo de Austin: um acto que é um discurso). Resultado: o professor volta à escola, encontra a mesma realidade, mas sofre um embate muito maior. É essa a força da realidade. É essa a realidade única. E é preciso ser realista. Assim começa a interiorização da obediência (e, um dia, do amor à servidão).

NO PROCESSO de domesticação da sociedade, a teimosia do primeiro-ministro e da sua ministra da Educação representam muito mais do que simples traços psicológicos. São técnicas terríveis de dominação, de castração e de esmagamento, e de fabricação de subjectividades obedientes. Conviria chamar a este mecanismo tão eficaz, «a desactivação da acção». É a não-inscrição elevada ao estatuto sofisticado de uma técnica politica, à maneira de certos processos psicóticos.

José Gil

8 comentários:

Anónimo disse...

Esta conversa toda para dizer mal.
Não será necessário um palavreado rebuscado para dizer mal.
Qualquer mudança, mais pequena que seja, causa contestação. Cada um tem o seu quintal, a sua trincheira, os seus bónus, ninguem quer abdicar.
À Tiazoca Magalhães ou a alguêm "perto" dela, devem-lhe ter retirado umas tantas regalias ou algo semelhante, que devem ter vindo a ser pagas em tempo ou em contado, pelos contribuintes.
Então, oportunista, tudo e quem que diz mal do Governo ou dos actuais governantes, são a sua pedra de toque.
Da mesma maneira que não conseguirá com facilidade morder o cotovelo, não dará nenhuma dentada nas gentes que muito tem feito por este país, depois da miséria deixada pelo ex-MRPP Barroso e do playboy Santana Lopes.
Que se catem os maldizentes quea caravana sempre vái andando e daqui para a frente, muito melhor

meninaidalina disse...

Eis aqui, no comentário deste anónimo, um excelente exemplo da capacidade intelectual tipo " borderline" de muita gente . São ignorantes , incultos, básicos e pobres de espírito, sendo que só sabem recorrer ao insulto caluniador para se expressarem. E direi mais, acham que todos são como eles, e como tal projectam-se nos insultos que proferem.
E são tão incultos que nem sequer vão conseguir perceber o presente comentário.
Pessoal do OL- embora não vos conheça- apeteceu-me dizer-vos isto, tanto mais que o José Gil (que este anónimo desconhece) é um dos maiores pensadores portugueses reconhecido nacional e internacionalmente.

Isabel Magalhães disse...

Anunciação, que não tenho o prazer de conhecer;

É, exactamente, como diz; este 'anónimo' - bastante assíduo - projecta-se nas tentativas de insulto que profere. Sem me conhecer de lado nenhum, - e só porque tenho opinião diferente da dele - vê-se ao espelho e ataca... convenientemente anónimo, claro!

Coitado...!

Anónimo disse...

Só está com o Sousa quem tem tachos a defender porque os socialistas honestos estão de olhos abertos.

Anónimo disse...

"Vemos gente bem vestida,
no aspecto desassombrada;
são tudo ilusões da vida,
tudo é miséria dourada."

António Aleixo

Anónimo disse...

Este Blog, pelo que posso avaliar, está muito "profissionalizado".
Qualquer crítica contra é considerada "subversiva".
Será que a quadra de Aleixo, não terá alguma razão de ser ?
Haverá algum motivo especial para que tal possa acontecer?

Anónimo disse...

A quadra do ALEIXO ilustra bem o país do sócrates. As fatiotas Armani e a miséria de larga percentagem do povo.

Anónimo disse...

Não estará o anónimo (8 de Outubro de 2008 8:39) a ver o filme ao contrário? Fará parte dos que não concordando com os posts optam pela via do ataque pessoal em detrimento da via da argumentação objectiva?