quinta-feira, 30 de outubro de 2008

Orçamento de Estado 2009: não li, mas quero ver o filme

Opinião
Ricardo Araújo Pereira

Quem ficou mais chocado com o sucedido? O Governo, que fez a proposta, ou a oposição, que viu e calou? Neste momento, uns e outros estão de tal forma chocados que julgo não ser possível resolver o empate técnico de choque a que se chegou


O Orçamento de Estado de 2009 provocou nas pessoas as reacções do costume. Trata-se de um documento fascinante, cujo articulado, evidentemente, excita as emoções de todos. Algumas pessoas ficaram indignadas, outras ficaram desiludidas, outras ficaram receosas. Até agora, julgo ser o único a ter ficado comovido. Creio que é por isto que a VISÃO me paga: por ser o único cidadão suficientemente sensível para se emocionar com documentos oficiais do Estado. E a verdade é que, este ano, embora as Grandes Opções do Plano não me tenham tocado como é habitual, o Orçamento falou-me ao coração como nunca.
Fico sempre à beira das lágrimas quando testemunho um acto de bondade anónima. (Ou um acto anónimo de bondade? Não sei. Felizmente, não consigo distingui-los, pelo que me comovem igualmente.) Foi o que aconteceu no Orçamento de Estado deste ano: alguém alterou as regras do financiamento dos partidos permitindo, entre outras coisas, que os partidos políticos pudessem receber donativos em dinheiro vivo – o que era ilegal. Em ano de várias eleições, aqui estava uma inovação muito proveitosa. Perante isto, os partidos adoptaram uma conduta politicamente irrepreensível: todos tinham especialistas a analisar minuciosamente o Orçamento e no entanto nenhum assinalou a modificação; quando os jornais descobriram a marosca, todos condenaram, de forma especialmente veemente, o Governo.
O Governo, que redigiu o Orçamento com particular cuidado, por causa da crise, foi apanhado de surpresa por esta alteração que seria magnífica se não fosse flagrantemente ilegal. O mais interessante é que ninguém sabe quem foi o responsável pela proposta que teria sido extraordinariamente útil, mas que afinal era um lamentável lapso. O benfeitor anónimo permanecerá anónimo, e os responsáveis pela revisão do documento, que deixaram passar a mudança que viria mesmo a calhar se não fosse proibida, também.
Entretanto, assim que os jornais divulgaram o assunto, o Governo voltou atrás. E teve lugar o pequeno campeonato que costuma realizar-se nestas alturas: quem ficou mais chocado com o sucedido? O Governo, que fez a proposta, ou a oposição, que viu e calou? Neste momento, uns e outros estão de tal forma chocados que julgo não ser possível resolver o empate técnico de choque a que se chegou. O Governo penitenciou-se, mas garante que tudo não passou de um lapso cometido não se sabe por quem. E se apanham o tipo que lhes andou a mexer no orçamento enquanto eles estavam distraídos, não lhe perdoam. De ser nomeado para uma secretaria de Estado não se safa, esse bandido.

3 comentários:

Tiazoca de Oeiras disse...

O RAP é hoje em dia, o melhor humorista português . Texto delicioso .
Bem postado I.

Unknown disse...

.

HA HA HA...

Brilhante !

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Anónimo disse...

Seria hilariante se não fosse lamentavelmente triste. O assunto, não o artigo que esse é genialmente hilariante.

Continuem a votar neles, não se esqueçam!