sexta-feira, 21 de agosto de 2009

A realpolitik de Sócrates

Opinião

José Pacheco Pereira
in Sábado Nº 277, de 20 a 26 de Agosto de 2009


Existe uma escada invisível que, ou se sobe ou se desce. José Sócrates e o PS estão a descê-la muito depressa, aumentando as probabilidades de cair, tanto mais que se está com muito nervoso. Convém não esquecer que há quem corra o risco real de perder, não é uma abstracção, não é uma “hipotese académica”, é real e sabe-se, depois das eleições europeias, que nem sequer as sondagens servem muito para nos iludir. Ou seja, está muita coisa em jogo, não é a feijões.

Como é que se desce essa escada? Primeiro substitui-se a Política pela realpolitik. Até aqui ainda se está na política, mas já se está mais do lado do pragmatismo, da táctica pura, do oportunismo. Mas os bons praticantes da realpolitik ainda tem muito do político, no preciso sentido do termo, mesmo da Política. Pelo contrário, os maus praticantes da realpolitik, esses descambam com muita facilidade. Depois, desce-se um pouco mais, começa a passar-se da realpolitik para o vale tudo e então aparece o departamento dos truques e o do spin. Em Sócrates, já de há muito que o spin é central em toda a sua actividade, mas convinha ter cuidado com o departamento dos truques. Nixon, que era muito melhor Político e muito melhor “real político”, também caiu quando se entregou à sua persona de Tricky Dicky.

Há departamento dos truques, há tricky dickies em acção? Há, há. Como disse acima, não é a feijões e há mais de 5 milhões de euros em cima da mesa. Veja-se o caso dos blogues, um campo de batalha hoje muito apetecido pela sua comunicabilidade perfeita com os jornalistas e os jornais (porque não são obviamente os leitores inocentes de blogues que se pretendem cativar…). Aí há muitos tricky dickies em acção, uns com bandeira do PS e outros com “bandeira falsa”, fazendo de conta que são de direita, muitos empregados em agências de comunicação, a trabalhar sempre no mesmo sentido útil. De facto, de há muito a blogosfera perdeu a sua inocência e hoje é uma espécie de loca infecta pouco frequentável(*).

Soube-se esta semana que havia gente paga pelo PS em blogues “espontâneos“, e que foram ingénuos ao ponto de admitirem que o faziam profissionalmente, “até porque não iam votar PS…”. A questão é que o autor da frase aparece como “autor” na lista dos membros do blogue, donde que legitimamente se pensava que isso se devia à sua militância. Eu não sei se o outro blogue do lado de lá do espelho também teve a colaboração de um “art-director” profissional, o que sei é que não está certamente disfarçado de seu autor. E sei-o porque entre os que o assinam nenhum dos nomes é pseudónimo.

Pergunto-me pois por que razão os blogues mais entusiastas de apoio ao governo, os blogues que fazem não só a propaganda do governo como disseminam informação e desinformação sobre seja quem for que ataque o governo (PSD, dissidentes do PS, BE, PCP, por esta ordem), estão cheios de gente com pseudónimos? Estamos a falar de blogues de política muito especializada, que fazem o acompanhamento em tempo quase real de tudo o que se diz e faz e não de meia dúzia de solitários nocturnos à pesca de companhia ou de trolls anarquistas ou de adolescentes imbecis que gostam de insultar tudo, a torto e a direito, ou de reformados enraivecidos com os políticos e que escrevem nostalgias salazaristas com maiúsculas. Estamos a falar de blogues que possuem acesso a revistas de imprensa e a ficheiros, capazes de ir desenterrar recortes em papel muito anteriores às edições electrónicas dos jornais (e eu sei bem o trabalho de muitos anos que é preciso para ter um arquivo assim), e que varrem toda a internet política, ou seja dezenas de blogues, também quase em tempo real. Ou seja, estamos a falar de profissionais.

Porque só profissionais é que não podem revelar a sua condição, para não se perceber ao que andam e quem são. Porque só isso pode justificar tanto pseudónimo e nome falso. Na verdade, seria mais normal que os pseudónimos abundassem em quem não está do lado do poder, porque aí o pseudónimo teria como função proteger alguém cujas opiniões, se se conhecesse o seu autor, colocariam em risco a profissão e a carreira, mesmo a integridade física. Em certos municípios percebe-se bem. Mas aqui é ao contrário, é quem nada deve temer que assina disfarçado. Os tricky dickies dos gabinetes do governo, do grupo parlamentar do PS e de câmaras socialistas, podem explicar isso muito bem. Mas cuidem-se que isto é Portugal, e, a seu tempo, tudo se sabe.

(*) Devo o título deste texto a Jorge de Sena e a Eugénio Lisboa, que escreveram ambos sob o título de Peregrinatio ad Loca Infecta.

1 comentário:

Oeiras disse...

O Pacheco Pereira, se calhar era melhor fundar um partido e tentar governar o país, não, já que diz tanto mal deste governo...

É só falatório e pouca acção... ah, é verdade, ganha-se bom dinheiro a fazer comentários sem a chatice de ter que trabalhar a sério, não é?