Tenho uma amiga com mais de setenta anos, que trabalhou mais de quarenta e que, há perto de dez anos, está reformada. Vive sozinha e administra a sua pensão de reforma com grande rigor para que ela lhe chegue e não tenha de pedir ajuda aos filhos. A única extravagância que lhe conhecia era o seu cuidado com o cabelo: todas as semanas ia ao cabeleireiro mantendo os seus cabelos com o tom original, bem cortado e, às vezes, com uma permanente.
Há dias via-a e fiquei muito admirada. O cabelo muito curto, estava malhado de muitos brancos. Perante o meu espanto fui informada: a pensão não tem perspectiva de aumento antes pelo contrário; se isto continuar assim e como é saudável, até pode ficar sem ela pois os fundos da segurança social estão a esgotarem-se. Se adoecer tem de pagar o hospital; cada vez há menos centros de saúde a cobrirem as necessidades da população. Se tiver um problema os médicos particulares são muito caros... A informação continuou e rematou perguntando se eu não estava ao corrente pois todos os dias toda a comunicação social esclarecia o povo.
Como não quer sobrecarregar os filhos que já têm problemas a esticarem os ordenados para darem algum conforto aos netos, resolveu cortar o seu vício (parece que um ministro tinha dito que se reclama por pagar a saúde mas que depois se gasta o dinheiro em supérfluos). Aí está a razão do cabelo curto agarradinho à cabeça: não vai à cabeleireira, corta e lava em casa, não pinta e o dinheiro assim poupado está a ser guardado não vá o diabo tecê-las, adoecer, ter de ser internada.
Acontece, vim depois a saber, é que um número razoável de senhoras lá do bairro que vivem de pequenas pensões ou ordenados diminutos dos maridos – apesar de sempre terem pago os seus impostos e descontos, ponderaram também nas notícias e apelos do Governo do Senhor Sócrates e estão a deixar de irem embonecar-se à cabeleireira, não vá a doença bater-lhes à porta. E a cabeleireira do bairro com este corte de clientes está a ponderar fechar a porta e a acabar com os três posto de trabalho que ia mantendo... a bem de economia!
Clotilde Moreira
Algés
Artigo publicado em 19/10/2006 na Tribuna do Leitor do jornal Público.
3 comentários:
É a crise...
E assim se vão perdendo postos de trabalho.
Devemos agradecer muito a este (des)governo, sem dúvida.
Bom...parece que esta gente que nos desgoverna não aprende nem com os mestres do liberalismo. As pessoas não têm dinheiro, este não circula, não se estimula a economia. Enfim, que sei eu ...Pois, recordo-me agora...que a progressão do PIB (creio) ficou a dever-se às exportações. Portanto, consumo interno "niente". Pinturas de cabelo? Isso é superfulo. Fiquem-se pelo restaurador OLEX (não se aplica às senhoras, não é?).
No meu voluntariado hoje estive com o livro Ilhas de Ballestero e lá dizem que é preciso que o povo tenha emprego para depois ir gastar e dar "lucros" ao estado.
Aqui, fecham tudo...
Clotilde
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