domingo, 10 de fevereiro de 2008

SÓCRATES E O CABELO DA MINHA AMIGA



Tenho uma amiga com mais de setenta anos, que trabalhou mais de quarenta e que, há perto de dez anos, está reformada. Vive sozinha e administra a sua pensão de reforma com grande rigor para que ela lhe chegue e não tenha de pedir ajuda aos filhos. A única extravagância que lhe conhecia era o seu cuidado com o cabelo: todas as semanas ia ao cabeleireiro mantendo os seus cabelos com o tom original, bem cortado e, às vezes, com uma permanente.

Há dias via-a e fiquei muito admirada. O cabelo muito curto, estava malhado de muitos brancos. Perante o meu espanto fui informada: a pensão não tem perspectiva de aumento antes pelo contrário; se isto continuar assim e como é saudável, até pode ficar sem ela pois os fundos da segurança social estão a esgotarem-se. Se adoecer tem de pagar o hospital; cada vez há menos centros de saúde a cobrirem as necessidades da população. Se tiver um problema os médicos particulares são muito caros... A informação continuou e rematou perguntando se eu não estava ao corrente pois todos os dias toda a comunicação social esclarecia o povo.

Como não quer sobrecarregar os filhos que já têm problemas a esticarem os ordenados para darem algum conforto aos netos, resolveu cortar o seu vício (parece que um ministro tinha dito que se reclama por pagar a saúde mas que depois se gasta o dinheiro em supérfluos). Aí está a razão do cabelo curto agarradinho à cabeça: não vai à cabeleireira, corta e lava em casa, não pinta e o dinheiro assim poupado está a ser guardado não vá o diabo tecê-las, adoecer, ter de ser internada.

Acontece, vim depois a saber, é que um número razoável de senhoras lá do bairro que vivem de pequenas pensões ou ordenados diminutos dos maridos – apesar de sempre terem pago os seus impostos e descontos, ponderaram também nas notícias e apelos do Governo do Senhor Sócrates e estão a deixar de irem embonecar-se à cabeleireira, não vá a doença bater-lhes à porta. E a cabeleireira do bairro com este corte de clientes está a ponderar fechar a porta e a acabar com os três posto de trabalho que ia mantendo... a bem de economia!

Clotilde Moreira
Algés

Artigo publicado em 19/10/2006 na Tribuna do Leitor do jornal Público.

3 comentários:

Isabel Magalhães disse...

É a crise...

E assim se vão perdendo postos de trabalho.

Devemos agradecer muito a este (des)governo, sem dúvida.

Fernando Lopes disse...

Bom...parece que esta gente que nos desgoverna não aprende nem com os mestres do liberalismo. As pessoas não têm dinheiro, este não circula, não se estimula a economia. Enfim, que sei eu ...Pois, recordo-me agora...que a progressão do PIB (creio) ficou a dever-se às exportações. Portanto, consumo interno "niente". Pinturas de cabelo? Isso é superfulo. Fiquem-se pelo restaurador OLEX (não se aplica às senhoras, não é?).

Anónimo disse...

No meu voluntariado hoje estive com o livro Ilhas de Ballestero e lá dizem que é preciso que o povo tenha emprego para depois ir gastar e dar "lucros" ao estado.

Aqui, fecham tudo...
Clotilde