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Recebi há pouco um e-mail, difundido num grupo de discussão filosófica em Língua Portuguesa denominado PORTABERTA, o qual se fazia acompanhar dum texto que achei interessantíssimo e de suma importância no momento actual.
Por isso achei por bem partilhá-lo convosco, independentemente da concordância ou discordância que eu possa ter com o autor que, aliás, nem conheço.
É um texto de opinião que coloca uma questão de extrema importância, nomeadamente quando transposta a decisão central do mesmo para a dimensão político-cultural que atravessamos no nosso país.
MENTIRA E DIREITO À VERDADE
Anselmo Borges
padre e professor de Filosofia
Quando se reflecte sobre a mentira, é difícil não vir à mente o famoso paradoxo de Epiménides. Diz um cretense: "Todos os cretenses são mentirosos.
Sendo cretense, também ele mente. Então, a sua afirmação é verdadeira ou falsa?
Pessoalmente, também lembro uma estória que um jesuíta me contou.
Ah! o céu vai ser a coisa mais fabulosa que possamos imaginar. Mas, nos primeiros dois-três dias, no fim do mundo, antes da entrada no céu, quando Deus começar a entregar os filhos aos verdadeiros pais e o dinheiro aos verdadeiros donos, portanto, quando se repuser a verdade, que confusão!...
Afinal, independentemente do paradoxo do cretense, todos mentimos. Mentimos às crianças e ensinamo-las a mentir, com este resultado caricato: "O pai disse para dizer que não está em casa." O miúdo acha que a tia é feia e diz-lho na cara, mas é claro que vai ser repreendido.
Se uma mulher gorda nos pede a opinião - "Estou gorda, não estou?" -, vamos aliviá-la: "Nem pense nisso!"
Imaginemos que uma bela manhã todos se levantavam com a decisão firme de, fossem quais fossem as circunstâncias, dizerem na cara dos colegas, dos amigos, dos vizinhos, dos superiores hierárquicos, dos amantes, dos companheiros de viagem em comboios e autocarros, dos imbecis, dos governantes, fosse de quem fosse, o que verdadeiramente pensam deles. O que seria a vida social sem algumas mentiras ou, pelo menos, sem a omissão da verdade nua e crua?
Os políticos! Desses diz-se que têm como condição de sobrevivência mentir.
Depois, há sempre o que não é conveniente...
E é assim que a verdade raramente se diz, pelo menos toda. Porque realmente não é conveniente: nem na política, nem nos media, nem no sexo, nem aos amigos - Pascal escreveu que, se os amigos soubessem o que os amigos dizem deles na sua ausência, talvez não restassem no mundo mais do que dois ou três. O que pensam e dizem realmente de nós os nossos amigos? Quereríamos saber?
Todos mentimos. Há, porém, mentiras e mentiras. Tomás de Aquino distinguiu entre mendacium - mentira - e falsiloquium - não dizer a verdade a alguém que não precisa de sabê-la ou não tem o direito de sabê-la. No limite, pode acontecer que mentir seja uma obrigação moral. Se um assassino procura um inocente para matá-lo, deve-se mentir quanto à sua localização. O detentor da chave do segredo para desencadear a guerra nuclear deverá mentir ao terrorista que a exige...
A mentira não se refere imediatamente à verdade, mas à veracidade: dizer a alguém o contrário do que se julga ser verdade, com a intenção de enganar.
Aprofundando mais, deve-se acrescentar: não dizer a verdade a alguém que tem o direito de sabê-la. M. Onfray escreveu que nunca se deveria mentir, fossem quais fossem as consequências, como exige Kant; mas, se Kant tem razão em princípio, esse princípio é na realidade não vivível, impraticável; por isso aceita a definição de mentira como "o facto de não dar a verdade, sem dúvida, mas só a quem é devida". Uns têm direito a ela, outros não: por exemplo, um nazi que procurava um judeu para matá-lo não tinha o direito à verdade. Deve-se distinguir "a mentira prejudicial, impura, a que procura um engano destinado a submeter o outro, a limitá-lo, a evitá-lo, a desprezá-lo, e a mentira para ajudar, limpa, chamada por alguns mentira piedosa, a que cometemos, por exemplo, com a finalidade de poupar sofrimento e dor a uma pessoa querida".
Em Portugal, quando se olha para as promessas incumpridas dos políticos, jogos obscuros na banca, subterfúgios à procura da localização de aeroportos uma política de saúde que fecha maternidades e urgências e descura pobres e velhos, o caos na justiça, um leque salarial gritantemente indecoroso, previsões inverdadeiras da inflação e outras infindas manobras com corrupção activa e passiva à mistura, tem-se a sensação de que se avança em terreno minado pela mentira, com uma democracia perplexa, triste e quase impotente.
Quando os portugueses têm direito à verdade.
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Crónica de opinião no jornal “Diário de Notícias” 19 de Janeiro 2008
Aqueles que se interessem por Filosofia e debate filosófico, que queiram conhecer o grupo e subscrevê-lo, poderão encontrá-lo AQUI.
imagem: Pópulo - CLIQUE PARA AMPLIAR
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3 comentários:
Primeiro a imagem.
Devo dizer que fico feliz quando tenho que fazer um esforço para ver a velha. Normalmente fico-me pela minha perspectiva, pelo não-olhar diferentemente, pela pouca atenção ao pormenor e ao outro. Se calhar fico-me pela verdade enganadora dos sentidos que normalmente mentem. Mas, enfim, opto pela jovem, como a maioria ao que julgo.
Quanto ao texto, a requerer talvez conhecimentos mais aprofundados mas, em relação ao qual me atrevo a dizer...que a procura do controlo da "verdade", mentindo, já deixou o campo metafísico e passou a ferramenta e instrumento de marketing, seja económico ou político.
Os portugueses reconhecem que aquela não é a sua verdade, aquela a que se acham com direito. Admitem até até que se trata de refinada mentira. Mais, respondem que não encontram alternativa, ou que a existir é ainda pior. Depois, não se esforçam por procurar, talvez porque lhes não dão tempo para isso. Quem sabe...
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A minha ideia em publicar este texto, independentemente da minha opinião sobre a questão, foi a de proporcionar às pessoas uma ferramenta para reflectirem um pouco sobre 'verdade vs. mentira'.
Um dos nossos grandes dramas, julgo, é a forma acrítica como a maioria das pessoas aceita toda a 'informação' que recebe, qualquer que seja o contexto político-partidário ao qual está ligado.
O mal é geral e é um problema cultural e de mentalidade.
As 'afirmações' são aceites como verdadeiras ou falsas sem passar pelo crivo, pessoal, da reflexão e da crítica.
Penso que quando os portugueses conseguirem ter uma atitude mais crítica (não criticista) e menos crédula, mens ingénua, será muito mais difícil enganá-los e iludí-los com falsas promesssas.
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Olá José António
Tem razão, deve haver aqui um problema de cultura e mentalidades. De facto parece haver da nossa parte, deixe-me generalizar, uma certa preguiça em “pensar”. Dá trabalho! Até se dizia que os nossos “patrões” (não digo empreendedores) e os nossos “chefes”, “responsáveis” (a maioria não era) utilizavam aquela frase célebre…”trabalhe que não lhe pago para pensar”. E o Zé habituou-se.
Depois há quem fale do contributo da Inquisição (3 séculos), do “sebastianismo”, etc., etc.… Dizia o nosso bom povo…”com papas e bolos…”. Falamos de promessas não cumpridas, da manipulação, das técnicas de sedução. Bom, mas aqui e ali vamos vendo sinais de esperança
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