O QUARTO AZUL DA MINHA VIZINHA FECHOU À MEIA-NOITE!

A minha vizinha tem sido uma fervorosa apoiante do governo socialista desde que este tomou posse. Acompanha pela televisão todos os telejornais e os diversos debates para saber como deve proceder para cumprir as metas que vão salvar a pátria.

Assim, colocou apenas uma lâmpada de 25 velas em todas as divisões da casa; poupou no gás tomando banho dia sim, dia não, e embrulhou-se num cobertor quando fez frio. Este verão nunca ligou a ventoinha. Tem tido refeições frugais para poupar e ter um pézinho de meia se adoecer. Informou-me que tinha reduzido o horário da empregada doméstica para duas manhãs por semana, mas com a obrigatoriedade de ter todo o trabalho feito. E quando eu mostrei admiração esclareceu que seguia as indicações do governo para com os professores e com a reorganização dos serviços da função pública. E rematou: é pegar ou largar, caso contrário ponho-a em supranumerário.

Apesar dos protestos dos sobrinhos e netos fechou o quarto onde eles ficavam quando vinham a Lisboa: que fiquem numa pensão ou regressem no mesmo dia, terá declarado. O governo não quer desperdícios; é preciso redimensionar as estruturas e esclareceu que tinha tido aquele quarto, o quarto da colcha azul, sempre pronto para eles, e depois eram gastos de água a lavar os lençóis e mais a electricidade que gastavam, pois eles ficavam a ler até tarde. Assim, acabou-se. Ficou fechado o quarto azul.

Hoje chegou o 112 e levou a nossa vizinha. Fomos informados que ia descansar num hospital psiquiátrico dado o diagnóstico feito. E o técnico de saúde deu-nos algumas pistas relativas à obsessão que estava a consumir a pobre senhora, chamando-lhe síndroma socrático de autofagia.

Clotilde Moreira, Algés

Público / Tribuna do leitor, em 14 de Novembro de 2006