Trnscrição do artigo de opinião de Miguel Sousa Tavares in "Expresso" de 08.08.2009:
"O problema de Isaltino Morais é que a cara dele condiz com o que o tribunal o acusa de ter feito. Não apenas as provas e as suas fracas justificações: a cara, também. Ensinou-me a minha mãe, há muitos anos, que se deve olhar bem para a cara das pessoas, antes de ajuizar sobre elas. Confesso que é um conselho que nem sempre me lembro de seguir e, quando me esqueço de o fazer, normalmente acabo por me arrepender. O tribunal acusou e condenou Isaltino por coisas nada brandas, no exercício de funções públicas: fuga ao fisco, branqueamento de capitais, abuso de poder e corrupção passiva. E eu olho para a cara dele, penso na inexplicável fortuna do sobrinho da Suíça, lembro-me das declarações da ex-secretária e recordo a 'arrogância', de que fala a sentença, com que ele respondeu às acusações, e acho-o bem capaz disso.
Pois, é verdade, permanece a presunção de inocência. Enquanto todos os recursos que vão ser sucessivamente interpostos não estiverem decididos, enquanto esta sentença não transitar em julgado (o que irá demorar anos), Isaltino Morais tem o direito a ser presumido inocente. Mas as coisas mudaram muito com a sentença: um tribunal já o julgou culpado e agora é ele que tem de provar a sua inocência, e não o tribunal que tem de provar a sua culpabilidade. Tem de provar que o tribunal se enganou e que se enganou grosseiramente, julgando-o culpado de quatro crimes dos quais não terá cometido nenhum.
E isto é apenas o lado jurídico da questão. Porque, politicamente, Isaltino está morto - ou melhor, devia estar, se tivesse vergonha na cara e os seus eleitores também. Não apenas pela sentença condenatória, mas por uma coisa bem mais simples: por ter declarado em julgamento que escondera dinheiro do fisco "porque toda a gente o faz". Que ele se queira recandidatar a novo mandato, como se nada de grave tivesse entretanto sucedido, é um direito que lhe assiste e que, em situações idênticas, uns aproveitam e outros não - conforme os valores que defendem, o respeito que têm pelos eleitores e pelas regras do jogo. Mas quando alguém que exerce funções públicas há vinte anos, que já foi ministro e que está à frente de uma das principais autarquias do país, vem fazer o elogio público da fraude fiscal, é intolerável que se queira manter em funções. Até porque a experiência ensina que quem não respeita o dinheiro do Estado na hora de o pagar, também o não respeita na hora de o gastar: quem foge a pagar os impostos que deve não pode gerir o dinheiro dos impostos dos que os pagam. Menos do que isto é a pouca vergonha absoluta.
E não me venham com a pretensa 'legitimidade política' ou 'democrática' versus 'legitimidade judicial'. Sempre fui contra as tentativas (que as houve e às vezes regressam), de caminharmos para uma 'República de Juízes', mas o que aqui está em causa é exactamente o oposto: pretender que o voto popular pode usurpar, por si, a função judicial. Se isto fosse tolerável, no limite acabaríamos a ditar sentenças criminais por votação popular. Não há nenhuma votação ou eleição que possa eximir os Valentins, as Fátimas, os Avelinos e os Isaltinos da prestação de contas à Justiça, como qualquer outro cidadão. Mais do que o voto, a democracia é o Estado de Direito, onde a lei é igual para todos e todos respondem perante ela e perante tribunais independentes da política e do poder político.
E não me venham também com a grande e incontroversa obra autárquica de Isaltino Morais em Oeiras, porque não são estes factos que foram julgados em tribunal. O que foi a julgamento é saber se os meios, todos os meios, justificam os fins. E a resposta só pode ser não, a menos que queiramos reeditar aqui o Brasil do tempo do prefeito Ademar de Barros e do seu imortal slogan 'roubo, mas faço!'. Com licença da actriz Eunice Muñoz e do general Otelo Saraiva de Carvalho, o que está em causa é mais importante do que o seu bem-estar em Oeiras. Isto é tão claro, que até custa a perceber que haja quem o não veja."
4 comentários:
Allahu Akbar
Esqueci-me de traduzir: Deus é grande ...
É aqui que começa o movimento "I. vai-te embora"?
Trnscrição do artigo de opinião de
Miguel Sousa Tavares in "Expresso" de 08.08.2009:
"O problema de Isaltino Morais é que a cara dele condiz com o que o tribunal o acusa de ter feito. Não apenas as provas e as suas fracas justificações: a cara, também. Ensinou-me a minha mãe, há muitos anos, que se deve olhar bem para a cara das pessoas, antes de ajuizar sobre elas. Confesso que é um conselho que nem sempre me lembro de seguir e, quando me esqueço de o fazer, normalmente acabo por me arrepender. O tribunal acusou e condenou Isaltino por coisas nada brandas, no exercício de funções públicas: fuga ao fisco, branqueamento de capitais, abuso de poder e corrupção passiva. E eu olho para a cara dele, penso na inexplicável fortuna do sobrinho da Suíça, lembro-me das declarações da ex-secretária e recordo a 'arrogância', de que fala a sentença, com que ele respondeu às acusações, e acho-o bem capaz disso.
Pois, é verdade, permanece a presunção de inocência. Enquanto todos os recursos que vão ser sucessivamente interpostos não estiverem decididos, enquanto esta sentença não transitar em julgado (o que irá demorar anos), Isaltino Morais tem o direito a ser presumido inocente. Mas as coisas mudaram muito com a sentença: um tribunal já o julgou culpado e agora é ele que tem de provar a sua inocência, e não o tribunal que tem de provar a sua culpabilidade. Tem de provar que o tribunal se enganou e que se enganou grosseiramente, julgando-o culpado de quatro crimes dos quais não terá cometido nenhum.
E isto é apenas o lado jurídico da questão. Porque, politicamente, Isaltino está morto - ou melhor, devia estar, se tivesse vergonha na cara e os seus eleitores também. Não apenas pela sentença condenatória, mas por uma coisa bem mais simples: por ter declarado em julgamento que escondera dinheiro do fisco "porque toda a gente o faz". Que ele se queira recandidatar a novo mandato, como se nada de grave tivesse entretanto sucedido, é um direito que lhe assiste e que, em situações idênticas, uns aproveitam e outros não - conforme os valores que defendem, o respeito que têm pelos eleitores e pelas regras do jogo. Mas quando alguém que exerce funções públicas há vinte anos, que já foi ministro e que está à frente de uma das principais autarquias do país, vem fazer o elogio público da fraude fiscal, é intolerável que se queira manter em funções. Até porque a experiência ensina que quem não respeita o dinheiro do Estado na hora de o pagar, também o não respeita na hora de o gastar: quem foge a pagar os impostos que deve não pode gerir o dinheiro dos impostos dos que os pagam. Menos do que isto é a pouca vergonha absoluta.
E não me venham com a pretensa 'legitimidade política' ou 'democrática' versus 'legitimidade judicial'. Sempre fui contra as tentativas (que as houve e às vezes regressam), de caminharmos para uma 'República de Juízes', mas o que aqui está em causa é exactamente o oposto: pretender que o voto popular pode usurpar, por si, a função judicial. Se isto fosse tolerável, no limite acabaríamos a ditar sentenças criminais por votação popular. Não há nenhuma votação ou eleição que possa eximir os Valentins, as Fátimas, os Avelinos e os Isaltinos da prestação de contas à Justiça, como qualquer outro cidadão. Mais do que o voto, a democracia é o Estado de Direito, onde a lei é igual para todos e todos respondem perante ela e perante tribunais independentes da política e do poder político.
E não me venham também com a grande e incontroversa obra autárquica de Isaltino Morais em Oeiras, porque não são estes factos que foram julgados em tribunal. O que foi a julgamento é saber se os meios, todos os meios, justificam os fins. E a resposta só pode ser não, a menos que queiramos reeditar aqui o Brasil do tempo do prefeito Ademar de Barros e do seu imortal slogan 'roubo, mas faço!'. Com licença da actriz Eunice Muñoz e do general Otelo Saraiva de Carvalho, o que está em causa é mais importante do que o seu bem-estar em Oeiras. Isto é tão claro, que até custa a perceber que haja quem o não veja."
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